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Sobre carne fraca e reputação forte

Divulgação

Valdeci Verdelho: "Setor ficou visceralmente exposto e levará tempo para recompor a imagem"

De repente, uma suculenta fatia de picanha que parecia unanimidade de aprovação entre os não vegetarianos, virou um prato de controvérsias. A operação Carne Fraca colocou na mesa um variado cardápio de dúvidas, questionamentos e suspeitas em relação ao sistema (público e privado) que envolve a cadeia e proteína animal do Brasil, e deixou a impressão de que sobrou carne fraca porque faltou reputação forte.

Nenhuma outra operação desta natureza apresentou tantos ingredientes para nutrir polêmicas. Além de agentes públicos e partidos políticos corruptos e corrompidos que atuam como quadrilhas, a Operação Carne Fraca tem gigantes da indústria nacional em situação vexatória; marcas consagradas de produtos expostas aos escárnio popular em redes sociais, celebridades globais com credibilidade colocada em xeque, exportadores e importadores alarmados em várias partes do mundo; e consumidores atônitos ao saber como uma fiscalização inescrupulosa trata alimentos servidos nos lares brasileiros. Como em um bom churrasco entre amigos não faltavam assuntos para discussões intermináveis.

Os números atribuídos aos prejuízos iniciais foram expressivos. Em apenas uma semana as duas principais companhias envolvidas perderam algo equivalente a R$ 5,8 bilhões de valor de mercado, 21 frigoríficos sofreram embargo e tiverem licença de exportação suspensas, as estimativas de perdas no mercado internacional chegaram a US$ 1,5 bilhão, a retração de vendas nas gôndolas de supermercados teriam chegado a 20%, e as demissões já chegaram próximo a 300, em função do fechamento de dois  frigoríficos. 

O estardalhaço com que a Polícia Federal apresentou a operação à sociedade, aparentemente sem avaliar todos os impactos, inclusive no mercado internacional, suscitou amplos debates. Teriam os responsáveis pela operação exagerado no espetáculo mediático? Não estaria o delegado Maurício Grillo repetindo a trajetória do seu ex-colega Protógenes Queiroz?  À frente da célebre Operação Satiagraha, em 2008, o então delegado Protógenes viveu momentos de glória ao levar banqueiros para a cadeia. Algum tempo depois, porém, passou de investigador a investigado, foi exonerado da Polícia Federal e acabou se tornando um foragido.

A tentativa de construir uma narrativa reparadora, do ponto de vista das empresas e do governo, foi um prato cheio para veículos de comunicação que há tempos não viam tanta receita quanto à gerada pela divulgação de comunicados pagos em páginas inteiras de jornais e revistas e no horário nobre de televisão. Foi uma declaração de guerra para tentar reverter os estragos da carne fraca exibindo poder, por meio de números de unidades ou funcionários, manipulando estatísticas, usando apelo sentimental com a face de ¨colaboradores”, exaltando excessivamente a qualidade dos seus produtos e mencionando, minimamente, a qualidade em relação à ética e à conduta nos relacionamentos, principalmente com o poder público. Se isto mudou a percepção na opinião pública, não se sabe. Mas é certo que algumas gafes “viralizaram” na internet contribuindo para ampliar o descrédito dos frigoríficos e deixando claro que a forma como o setor ficou visceralmente exposto vai requerer muito tempo para recompor a imagem.

O mais importante para fazer frente à Operação Carne Fraca seria uma reputação forte. Ou seja, em momentos como este é necessário contar com um grau de reputação elevado o suficiente para que os stakeholders e a opinião pública acreditem e confiem na instituição a ponto de defendê-la publicamente ou, ao menos, serem solidárias. Reputação não tem a ver com o que as celebridades são pagas para dizer depois de engordar a conta bancária, e sim com o que os formadores de opinião e as pessoas comuns dizem com base no que percebem. Isto depende da qualidade dos produtos e do respeito aos consumidores, e também de atitudes em relação às demandas da sociedade que está cansada do relacionamento promíscuo entre empresas e agentes públicos.

A reputação forte leva tempo para ser construída (embora possa ser destruída em poucos minutos), exige atenção cotidiana e se torna uma questão cada vez mais sensível diante da progressiva complexidade das relações sociais, políticas e econômicas. É uma longa jornada de muitos passos e um passo importante é a instituição estar aberta para a participação de profissionais externos neste processo. Como se trata do principal ativo de uma organização, reputação deve ter o CEO como guardião e todas as áreas devem ser sentinelas. Além disso, não pode ser fechado ao escrutínio de quem tem a visão de fora, sem as amarras corporativas internas, com independência e autonomia para cooperar com o CEO. O risco para a reputação pode estar, por exemplo, em algum tipo de prática com o qual a organização já se acostumou ou até na conduta imprópria de executivos contra quem ninguém, internamente, apontaria o dedo. O olhar externo, nestes casos, pode fazer toda a diferença.

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