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O que é direita? O que é esquerda?

Com a proximidade das eleições, marcadas para o próximo domingo (06), e em meio a todo esse cenário político no qual estamos vivendo, disponibilizamos um artigo exclusivo de autoria de Leonardo de Moraes, professor de Direitos Humanos e mestre em Direito do Estado pela USP. No texto, ele reflete sobre os significados dos termos “direita” e “esquerda” que fazem do Brasil um país extremamente polarizado ideologicamente, além de explorar a relação direta de cada viés politico com os Direitos Humano

O Brasil sofreu uma enorme polarização política nos últimos anos; mas afinal, o que é “esquerda” ou “direita” na política?

Todo acirramento de ânimos é retroalimentado pela ignorância do povo. Um país de pouca leitura, pouca ponderação filosófica, se torna alvo fácil para a construção de mitologias políticas que não fazem nenhum sentido quando cotejados com a real história político-jurídica dos Direito Humanos.

Sim, quando falamos em “direita” e “esquerda”, estamos dentro da seara dos Direitos Humanos, conquista social histórica e apartidária por natureza, que traz a coleção de normas que nos distinguem da barbárie.

Os Direitos Humanos têm por marco a Magna Carta, em 1215, assinada pelo Rei João Sem-Terra (aquele dos filmes de “Robin Hood”) e trouxeram os primeiros regramentos por escrito, chancelados por uma autoridade política, na tentativa de apaziguamento dos ânimos da - por óbvio - nobreza inglesa medieval. Nasceram os “Direitos Humanos de 1ª. Geração”, ou “liberdades negativas”, que impediam o abuso do poder estatal perante o que se entendia ser o campo mínimo de honra e dignidade de que todo ser humano haveria de possuir, tão logo respirasse, como ter direito à propriedade, não ter sua casa invadida no meio da noite sequer pelas autoridades, ter direito a um julgamento justo e saber do que está sendo acusado.

A esses direitos somaram-se outros, e outros, trazidos por documentos assinados por outras autoridades, e que pouco a pouco, foram aglutinando valores que se tornaram “ponto zero” na construção de todas as sociedades civilizadas. No século XX, por exemplo, ganharam força os chamados “Direitos Humanos de 2ª. Geração”, ou “direitos sociais”, que tinham por objetivo não mais apenas impedir os abusos do Estado, mas exigir dele postura ativa para sanar as desigualdades e desequilíbrios produzidos pela própria fricção social. A academia jurídica entende que as constituições do México (1917) e Alemã (Weimer, 1919) foram os principais documentos a elucidar, elaborar e implementar mecanismos pró-igualdade de forma ativa: direitos econômicos, sociais e culturais.

A esses direitos somaram-se os de “3ª. Geração”, nascidos em meados da década de 60 (sim, os movimentos hippie e intelectual da época deram frutos) que trazem a necessidade de termos, em cada Constituição, “direitos da comunidade”, como os direitos difusos e coletivos (como o direito de ter representatividade contra o abuso econômico de uma grande corporação).

Todos esses direitos humanos não foram conquistas partidárias. Foram conquistas históricas, e hoje vivem e respiram dentro da nossa Constituição Federal, datada de 5 de outubro de 1988. São cláusulas pétreas (vale dizer, escritas “em pedra”) e não podem ser excluídos ou banidos por manifestações desvairadas do Executivo, ou planos mirabolantes do Legislativo.

Mas o que isso tudo “tem a ver” com direita e esquerda?

Pois bem. O pensamento de direta mantém como relevantes os direitos de 1ª. Geração (as tais liberdades negativas contra o Estado). O pensamento de esquerda, por sua vez, defende e apoia tanto os direitos de ., quanto de 2ª. e 3ª. Gerações; vale dizer, além de termos de ter nossos direitos defendidos contra o abuso de poder do Estado, também temos de ter um Estado atuante para diminuir as desigualdades sociais e nos proteger como comunidade contra as grandes distorções produzidas pela economia, contra indivíduos e contra o meio ambiente.

O pensamento de “direita” por excelência, é ultraliberal. Isso quer dizer que ele defende com unhas e dentes a autonomia da vontade, a auto regulação do mercado, o direito de propriedade, o Estado mínimo (que não perca tempo criando agências ou organizações pró-igualdade). É um pensamento que se adequa perfeitamente aos interesses das grandes corporações (que não terão regulação), aos interesses econômicos (que não sofrerão intervenções ambientais) e à própria elite social (já que não existirão mecanismos de diminuição das desigualdades).

Hoje, o Estado Brasileiro jamais conseguirá ser “de direita”, não importando quem esteja à frente da presidência da República, já que nossa Constituição abraça todas as três gerações de direitos e é nela que todas as leis (até a que impede que você seja despejado do dia pra noite) encontram fundamento de validade. Poderíamos considerar o Brasil, talvez, um Estado “centro-esquerda”, mas perante os demais países do mundo, somos considerados à esquerda, tamanhas são as normas visando a diminuição da exploração do homem pelo homem, e os recursos financeiros despendidos na fiscalização de atividades produtivas, de saúde e seguridade social.

Sem querer esgotar o assunto, já que nosso espaço é limitado, deixamos a você algumas perguntas: você é a favor da saúde pública e da distribuição gratuita de remédios? Se sim, esses são direito sociais de 2ª. Geração, com viés de “esquerda” e que inexistem em países como os EUA. Você é a favor do FGTS, 13º salário, aposentadoria por tempo de serviço, atuação da ANVISA na fiscalização de medicamentos, seguro-desemprego, auxílio-creche, vacinação e educação gratuitas e atuações pró-igualdade? É a favor da atuação do Ministério Público em prol dos direitos ambientais? A favor do Código de Defesa do Consumidor? Se sua resposta é “sim” para essas questões, mas ainda assim se considera “de direita” - por orgulho ou falta de informação - é preciso repensar rápido seus conceitos, porque você foi atropelado pela história e desconhece a luta que foi feita por todos os nossos antepassados, para que chegássemos nesse ponto de evolução social.

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