Embora tecnicamente o preto seja considerado a ausência de cor, quando falamos de pessoas, essa teoria não deveria ser aplicada e, muito menos, ser sinônimo de invisibilidade. Porém, para muitas mulheres pretas no Brasil, a invisibilidade ainda é uma realidade, especialmente no universo do empreendedorismo.
Conforme apontado pelo Censo Demográfico de 2022, pessoas pretas representam 10,2% da população brasileira, cerca de 20,6 milhões de indivíduos. Apesar disso, apenas 16,43% dos empreendedores no Brasil são mulheres negras. Grande parte delas não empreende por escolha ou sonho, mas pela necessidade de superar as limitações impostas pelo mercado de trabalho.
O desafio é ainda maior quando olhamos para o empreendedorismo digital, um espaço onde as referências de mulheres negras em posições de destaque em negócios praticamente não existem. Isso evidencia uma exclusão que vai além do preconceito externo. Muitas vezes, a invisibilidade que nos cerca também se manifesta em nós mesmas. Somos juízas severas de nossas capacidades, questionando nossa legitimidade e competência e refletindo, em um novo mercado, o comportamento de espaços que nos foram historicamente negados.
Minha trajetória é um exemplo claro dessa realidade. Após 22 anos como funcionária concursada e exercendo cargos na diretoria de um grande banco, decidi empreender no mercado digital. Porém, rapidamente percebi que, mesmo fora do ambiente corporativo, o esforço para ser reconhecida continuaria imenso. A sociedade ainda nos limita, como se sonhar alto não fosse um direito legítimo para nós, mulheres negras.
O pedido de demissão me agregou o adjetivo “corajosa”, mas acredito que, no fundo, parte dessas pessoas tinha o desejo de fazer o mesmo: pedir demissão. Enquanto isso, outra metade gostaria mesmo de dizer “essa é louca”. Acredito que quem me considerou corajosa desejava fazer o mesmo, enquanto os que não tiveram coragem de dizer “essa é louca” apenas refletiam seus próprios receios. No entanto, o que realmente importa é que tomei as rédeas da minha vida para construir o futuro que desejo. Embora soubesse que o caminho seria desafiador, tinha plena confiança de que seria capaz de gerar, com meu conhecimento, o dobro — ou até mais — do que recebia como salário.
Sim, é possível! O mercado digital oferece às mulheres negras uma oportunidade única: um espaço para compartilhar experiências, conhecimentos e histórias, além de alcançar públicos que antes pareciam inacessíveis. É uma chance de construir negócios que representem nossa identidade, nossos valores, ampliando nosso impacto e superando as barreiras que a sociedade tenta impor.
A força das mulheres pretas que empreendem é imensurável. Transformamos desafios em resiliência e criamos caminhos que valorizam nossas histórias e raízes. Cada conquista é uma prova de que não somos invisíveis. Temos voz, temos poder, e nossos sonhos podem mudar o mundo.
Neste Dia da Consciência Negra, meu convite é para você, mulher negra: reflita sobre o imenso poder que carrega em suas mãos e o quanto sua presença é indispensável. Aceite e valorize sua competência, sua coragem e sua capacidade de transformar. Persista, resista e inspire. Não somos ausência; somos presença. Não somos silêncio; somos movimento. O preto não é invisível — é a base sólida de uma nova narrativa de liderança, inovação e determinação.
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