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Trump interrompe aplicação da FCPA e estamos a um passo de voltar a “lei das selvas” nos negócios

Neste artigo assinado pela advogada Patricia Punder, CEO da Punder Advogados, a autora discorre sobre a recente publicação de uma ordem executiva do Presidente Donald Trump, no último dia 10 de fevereiro, na qual ele interrompe temporariamente a aplicação da “Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)”, com o objetivo de promover a segurança econômica e nacional dos Estados Unidos

Divulgação / Poder360

Foi publicado na última segunda-feira, 10, uma ordem executiva do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, interrompendo temporariamente a aplicação da “Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)” ou “Lei de Práticas Corruptas no Exterior”, tendo como intuito promover a segurança econômica e nacional dos Estados Unidos. Muitas pessoas e profissionais no mundo estão espantados com tal decisão.

Todavia, o teor da ordem executiva não é uma novidade, uma vez que o próprio Presidente Trump já havia tentado isso em seu primeiro mandato e já foi abordado nas campanhas eleitorais do mesmo publicamente. Trump, diferentemente de muitos políticos ao redor do mundo, realmente cumpre o prometido durante sua campanha eleitoral. Mesmo que seja aterrorizante a implementação do prometido e que possa causar abalos no combate à corrupção no mundo. Eu mesma já vinha alertando por meio de artigos e lives sobre o fato, não somente dos Programas de ESG, mas dos próprios Programas de Compliance, de virem a sofrer setbacks em um futuro próximo.

 

A corrupção sempre foi um problema mundial

Infelizmente, podemos observar por meio do relatório da “Transparência Internacional de 2024” que muitos países ainda não aprenderam a lição. A corrupção destrói a sociedade, a economia dos países e a liberdade de competição entre as empresas. O lado positivo foi que muitos países também ficaram atentos e resolveram mudar e de fato combateram a corrupção em seus países, seja por meio de legislações específicas, estabelecimento de órgãos de controle e penalização das empresas e pessoas físicas envolvidas nesta ilegalidade.

Aparentemente podemos interpretar que dentro dos Estados Unidos não serão aceitos atos corruptos, uma vez que atrapalham o princípio da livre concorrência interna. Agora, fora dos Estados Unidos vale tudo, literalmente. O texto da ordem executiva trata “corrupção” como “práticas rotineiras”, ou seja, o Presidente Trump define que todos os países são corruptos e para ganhar novos negócios, essenciais para os Estados Unidos, as empresas americanas também devem pagar corrupção localmente para ter vantagens competitivas. Dentro de casa não pode fazer nada ilegal, mas fora de casa não existem limites, até porque, a culpa é dos próprios governos e empresas dos outros países que “aceitam a prática da corrupção nos negócios” como algo normal, que faz parte do jogo dos negócios.

Tal interpretação vai de encontro com o objetivo do combate à corrupção no mundo. A corrupção não deveria, em qualquer hipótese, ser praticada ou aceita socialmente em nenhum país do mundo devido as consequências catastróficas para as economias, sociedades e além de gerar a descredibilidade total em governos e agentes públicos polarizando o ambiente político dos países.

Tudo leva a crer que as empresas americanas para obterem mais vantagens competitivas estratégicas, agora tem um “free pass”, para agirem de forma ilegal no mundo e nem a empresa ou executivos serão penalizados por suas ações ou inações. Retroagimos para antes de 1977 (quando a “FCPA” entrou em vigor) onde o vale tudo nos negócios mundiais era a regra.

A “FCPA” e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos sempre foram para os Programas de Compliance no mundo exemplos do combate à corrupção doa a quem doer. Não posso afirmar que não existiram situações de tráfico de influência ao longo dos anos para retirar ou minimizar as situações de muitas empresas e executivos. Mas, nas últimas décadas as decisões do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) e seus memorandos foram utilizados como forte argumento para a implementação de Programas de Compliance, bem como para conscientizar altos executivos sobre os comportamentos e práticas ilegais ou antiéticas.

 

E se todos os países praticassem os “atos de rotina” (corrupção)?

Gostaria de fazer uma provocação sobre a decisão do Presidente Donald Trump. Vamos pensar o que aconteceria se todos os países resolvessem fazer o mesmo? Hipoteticamente, vamos montar um cenário onde o Brasil também não irá penalizar suas filiais e executivos nos Estados Unidos de praticarem os “atos de rotina” (corrupção) dentro do mercado de negócios americanos para também obterem mais vantagens competitivas estratégicas.

Como será a reação dos americanos, dos empresários locais e do governo? Primeiro irão gritar que não existe corrupção dentro dos Estados Unidos, o que não é verdade, pois as “práticas rotineiras” também existem no ambiente de negócios americanos. Em segundo lugar alegarão que as filiais e executivos brasileiros acabam de ferir o princípio da livre concorrência, ou seja, um ciclo sem fim. As empresas americanas podem fazer em outros países, mas empresas de outros países não podem fazer dentro do território americano?
Outro argumento que pode ser utilizado como contraponto da ordem executiva seria a aplicação de leis locais/nacionais contra a corrupção.

Sim, os países têm soberania em seus territórios e aplicam leis para todos que vivem ou fazem negócios nos respectivos territórios nacionais.

Mas será que os Estados Unidos não irão tentar invalidar a efetividade das leis nacionais? Podem vir a alegar que o pagamento de corrupção seria a única forma das empresas americanas conseguirem fazer negócios nestes países onde, segundo a percepção americana, possuem governos e mercados corruptos. Ou pior, começar uma “guerra” de investigações/penalizações ao redor do mundo o que pode criar ainda mais problemas (situações de retaliação) na economia mundial.

Entendo que o combate à corrupção não irá terminar e que os Programas de Compliance continuaram a ser implementados e melhorados ao longo dos anos, uma vez que muitas empresas e executivos acreditam que a corrupção é um mal e ter um bom programa implementado pode vir a prevenir economicamente e reputacionalmente as empresas. Entretanto, muitas companhias que consideram Compliance como um custo ou uma burocracia para obtenção do lucro rápido irão se aproveitar deste momento único em simplesmente desistir destes programas, pois irá prevalecer novamente e de forma escancarada a “lei das selvas” nos negócios.

Temos que acompanhar as mudanças e revisões a “FCPA” a serem realizadas pelo DOJ, principalmente pela nova indicada ao cargo maior deste departamento. Tristemente, existe uma grande probabilidade de termos surpresas bem desagradáveis nos próximos 6 meses. O que será analisado não é o combate à corrupção, mas como livrar empresas e executivos que praticaram a corrupção para garantir negócios estratégicos para os Estados Unidos.

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