Jornalismo é mais necessário do que nunca para dar sentido a uma informação fragmentada. Em tempos de crise e de grande incerteza nas democracias, narrativas profissionais que informem e integrem as sociedades se tornam mais do que nunca indispensáveis. Esse foi o diagnóstico feito recentemente pela diretora do jornal mexicano El País, Soledad Gallego-Díaz, pela especialista também mexicana Carmen Aristegui e pelo brasileiro Pedro Doria, que participaram de uma mesa-redonda em Medellín (Colômbia) dentro das atividades do Festival Gabo.
A Fundação Gabo foi criada em 1994 pelo escritor Gabriel Garcia Márquez para promover o jornalismo ibero-americano. O diretor da entidade, Jaime Abello Banfi, atuou como moderador e abriu o debate com uma questão provocadora: “Jornalismo para quê?”. Carmem Aristegui, diretora e apresentadora do programa de entrevistas que leva seu nome no canal CNN em espanhol, foi a primeira a responder. Na opinião dela, “jornalismo é uma ferramenta essencial e insubstituível para uma sociedade que exige estar informada. Perguntar para que serve o jornalismo, a meu ver equivale a perguntar respirar para que e por que a comunicação é algo essencial. O jornalismo é uma parte substancial dos cidadãos”.
O papel das empresas tecnológicas e o uso que fazem de dados pessoais dos cidadãos foi outro tema debatido por Carmem Aristegui: “Se há algo grave para as democracias é a apropriação da informação pessoal dos cidadãos e seu uso pelas grandes corporações. Entretanto, existe hoje uma acessibilidade à informação da própria sociedade que não existia até recentemente. Isso é algo a se comemorar, tomando cuidado para que esse valor fundamental não seja posto em risco, afinal, a rede é nossa”.
Soledad Gallego-Díaz mostrou-se convicta de que o jornalismo é “o único instrumento capaz de formar cidadãos”. O jornalismo fornece contexto, comprovação e informação, não uma mera notícia. "Isso precisa ser feito com instrumentos profissionais”, e mais ainda em uma etapa como a atual, marcada por uma forte incerteza internacional, acrescentou a diretora do periódico El País. Redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter servem como instrumentos de comunicação, mas não são jornalismo, alertou. Para ela, notícias falsas existiram sempre. O que é novo é que não se produziam de maneira esporádica ou não intencional. Agora é uma estratégia de desinformação que visa, em primeiro lugar, desprestigiar o jornalismo.
Pedro Doria, editor do jornal digital “Meio” e colunista dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, citou a campanha presidencial de Jair Bolsonaro como exemplo dos desafios atuais do jornalismo: “A técnica foi essencialmente fragmentar a informação”. Assim, cada brasileiro que votou nele se decantou ao constatar na prática a visão de um Bolsonaro diferente.
Os debatedores abordaram também a crise das democracias e o papel dos grupos tecnológicos na atual situação da mídia. “Bolsonaro e outros políticos querem transformar aos meios de comunicação em seu inimigo; temos que lutar contra isso”, advertiu com preocupação a diretora do El País. Políticos e partidos devem enfrentar outros políticos e partidos, não os meios de comunicação, acrescentou. A isso se soma a enorme capacidade de um reduzido grupo de empresas tecnológicas para controlar a informação e, eventualmente, acabar com o jornalismo, que tem o dever de contribuir para formar a população num momento em que ele tem mais ferramentas do que nunca para fazer seu trabalho. “Se você só lê o que lhe interessa, não fica por dentro”, enfatizou Gallego-Díaz. “Precisamos mais que nunca de grandes veículos capazes de fazer frente a esses grandes grupos tecnológicos”.
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