No ano de 1976, quando os argentinos viviam sob a ditadura da junta militar, estreou como profissional Diego Armando Maradona. O menino de 15 anos debutou no segundo tempo da partida entre a sua equipe, o Argentinos Juniors, e o Talleres, da cidade de Córdoba. Usava a camisa 16 e tinha a missão de auxiliar os seus companheiros a reverter o placar de um a zero para o adversário. Era o dia 20 de outubro.
Quarenta e quatro anos depois daquela tarde de quarta-feira, os argentinos, ainda que afligidos pela pandemia, reconstroem o país em um ambiente democrático. Ficaram no passado as violações sistemáticas aos direitos humanos e sociais e a perseguição aos oposicionistas. Mas esse 25 de novembro de 2020 é um dia triste.
O menino pobre, nascido do dia 30 de outubro de 1960, na localidade de Villa Fiorito, em Lanús, na grande Buenos Aires, estreou num segundo tempo de um jogo esquecido com a camisa 16 da emblemática equipe de Vila Crespo, sucessora dos Mártires de Chicago, mas fez história com a 10 da seleção argentina.
El Diez, o pequenino que aos nove anos corria pelas pastagens da periferia com a bola nos pés, iniciou a sua carreira justamente num clube que carrega a marca da luta dos trabalhadores e dos humildes, dos ofendidos de todas as épocas que encontram no futebol um momento de convivência verdadeiramente livre e democrática. O Argentinos Juniors, criado a partir da fusão dos Mártires de Chicago e do Sol de La Victoria, tinha muitos torcedores ligados ao Partido Socialista. E quis o destino que fosse a primeira casa de Diego Maradona.
Em 1977, apenas um ano após a sua estreia como profissional, Maradona já era considerado um dos 25 melhores jogadores de futebol de seu país. Ainda assim, foi preterido por César Menotti, treinador da seleção argentina, e não fez parte da equipe que ganhou o título 1978, no controverso mundial em que o Brasil de Cláudio Coutinho comemorou o título de "campeão moral" da Copa.
O sucesso em seu país e como capitão da seleção argentina sub-20, campeã mundial da categoria em 1979, no Japão, o levou ao Barcelona, em 1982, após uma passagem de dois anos pelo Boca Juniors. Na Europa, o seu lugar não foi a badalada Catalunha, mas a vibrante e proletária Napoli, no sul da Itália, onde reinou.
Como maestro do meio-campo napolitano, Maradona levou a equipe da Campânia a colecionar títulos importantes entre os anos de 1987 e 1990. Foram dois campeonatos italianos, uma Copa Itália, uma Copa Uefa e uma Supercopa Italiana. Não por acaso, o prefeito de Napoli, Luigi de Magistris, anunciou que o tradicional estádio San Paolo passará a se chamar estádio Diego Armando Maradona, em referência à memória do ídolo maior dos futebolistas napolitanos.
Maradona, reverenciado em canções de Manu Chao, de Rodrigo e de Calle 13, entre outras, foi tema de um belíssimo documentário realizado pelo diretor sérvio Emir Kusturica - Maradona by Busturika (2008). Na obra, é possível observar as contradições de um menino pobre que se fez homem com a bola nos pés, que cresceu sob uma ditadura violenta e em um ambiente humilde e desprovido de recursos, como são os ambientes pobres desta imensa América Latina tão desigual.
Cercado de empresários e todo o tipo de bajuladores e parasitas que aparecem quando o dinheiro brota, Maradona foi do anonimato ao estrelato e de lá para o inferno das drogas. Aos poucos, o futebol desapareceu, mas a magia, não. E esta é uma história comum a tantos garotos das periferias do mundo!
Dom Diego, El Diez, soube enfrentar o seu caminho com dignidade, sem posar de vítima e sem trair a sua origem social. Continuou a continuar, como aquele pibe quem em outubro de 1976 entrou com a 16 em campo. Levou a Argentina ao Bicampeonato mundial, enfrentou a FIFA e viu a morte algumas vezes nos olhos.
Como nos versos da canção de Rodrigo, Maradona "Por nunca se vender, enfrentou o poder, o vício e lutou, para vencer e ganhar". Hoje, Diego ganhou! É eternidade e o reverencio humildemente.
Obrigado, Diego Armando Maradona.
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