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A Era do Capital Ético

Por que as empresas não podem (e não devem) mais ignorar o ESG

Divulgação

Paulo Nassar é professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)

Todo ano a Aberje elege um tema que engloba as atividades da associação em uma narrativa com densidade e abrangência para a relação do setor de Comunicação Corporativa com a sociedade. O tema do ano de 2021 foi definido como “Comunica­ção e o Capital Ético”, intrinsecamente ligado à pauta ESG (acrônimo em inglês para Environmental, Social and Governance; em português, os fatores Ambientais, Sociais e de Governança), que tem dominado o mercado e está se tornando mandatório nos discursos e ações das corporações. A sigla surgiu pela primeira vez em 2004, em uma publicação da Organização das Nações Unidas (ONU) para o mercado financeiro, sugerindo uma ampliação que levasse em conta justamente critérios ambientais, sociais e de governança na análise de cor­retagem de seguros, gestão de ativos e valuation.

Esse tema, entretanto, já está na pauta da sociedade global desde pelo menos os anos 1960, nas organizações não governamentais, nos ativistas, em parte pequena dos especialistas, pesquisadores e cientistas. A narrativa ga­nha força a partir dos anos 1990, quando entra na gestão empresarial o conceito do tripé da sustentabilidade (triple bottom line), do sociólogo britânico John Elkington, base­ado no lema “profit, people and planet”. Como pode-se notar, os conceitos passam por metamorfoses, e faz parte da responsabilidade dos comunicadores, que já falam em sustentabilidade há décadas, estarem atentos a isso. Por­tanto, o ponto crucial é entender o que significa trabalhar com o tema ESG nesse momento.

A novidade é a entrada de protagonistas importantes do mercado financeiro. Desde 2016, por exemplo, Larry Fink, presidente da maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, com 8 trilhões de dólares sob administração (quatro vezes mais que o PIB do Brasil), ressalta a impor­tância de questões ESG nas cartas anuais destinadas aos CEOs das empresas nas quais está investido o dinheiro de seus clientes. Em sua última carta, ele foi taxativo: pe­diu às lideranças empresariais para que apresentem um plano integrado e de longo prazo sobre como os negócios se tornarão de fato sustentáveis e quer uma relação da remuneração executiva com critérios ESG.

Não estamos mais falando de pressão de ONGs ou de movimentos sociais. Tampouco estamos falando de simplesmente minimizar impactos negativos da ativida­de econômica, narrativa que durante um tempo preva­leceu. Na mesma BlackRock, por exemplo, os índices de sustentabilidade superaram o desempenho dos índices tradicionais em 2020, em sua maioria. De modo simi­lar, no Brasil, o desempenho acumulado dos índices de Sustentabilidade Empresarial, Carbono Eficiente e Go­vernança Corporativa da B3, desde sua criação, é maior do que o do Ibovespa. O que a realidade sugere é que você não sacrifica seus lucros ao se dedicar à respon­sabilidade social, mas sim caso não se dedique a ela. A ética tornou-se um item valioso de investimento.

Em 2021, no mundo traumatizado pela pandemia da Covid-19, isso tornou-se ainda mais evidente. Se a pan­demia acelerou diversos processos e mudou alguns pa­radigmas nas organizações, como a adoção do trabalho remoto e a digitalização, também compeliu para uma mudança profunda no entendimento do papel histórico e social das empresas. Uma onda de solidariedade, co­laboração e empatia tomou as organizações durante os períodos mais difíceis da pandemia - que persiste até o momento atual, vale ressaltar. As organizações mais maduras do ponto de vista humano, de suas culturas, de sua comunicação, certamente levarão o legado adiante.

Um levantamento recente da Aberje - “O que espe­rar da comunicação organizacional do Brasil” (março, 2021) -, com 204 empresas participantes, aponta que 58% das organizações comunica suas ações focadas em sustentabilidade e responsabilidade social. Se pode causar espanto que ainda 42% não as comunicam, en­tre estas, 12% dizem acreditar que é “muito provável” que o façam em um futuro próximo (ainda em 2021), e 20% afirmam que é “provável”. Bom sinal, visto que o interesse em comunicar está intimamente ligado ao valor que o assunto é dado dentro da organização.

Claro que há sempre o perigo do greenwashing, das organizações que adotam apenas como retórica o conceito de sustentabilidade – não apenas em relação ao meio ambiente, mas em questões de diversidade e inclusão, equidade de gênero, combate a desigualda­des e injustiças sociais. Entretanto, na era da sociedade conectada, do accountability (prestação de contas), do próprio “G” da sigla ESG, a boa governança, não praticar o que se fala é uma decisão medíocre e não apenas moralmente questionável, mas estrategicamente equi­vocada. As empresas regidas pelo ESG trazem consigo o conceito de Responsabilidade Histórica – mãe de todas as responsabilidades –, que é olhar as questões atuais a partir de uma escala maior, não apenas com a inten­ção de melhorar a imagem. É colocar as organizações e suas lideranças debaixo da lupa da história, em um intervalo maior de tempo na sua trajetória. A Responsa­bilidade Histórica dá consistência às narrativas das em­presas. Nesse aspecto, a visão de futuro é fundamental. É a ideia de projeção, que deve ser tão zelada como a ideia de reputação. Se fazer o bem – e comunicá-lo – é um bom investimento, como defendemos, é preciso que se entenda que o legado é um investimento de longo prazo, assim como é a construção da reputação das or­ganizações.

Boa leitura! 

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