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Martha Funke – Jornalista e gestora de comunicação
O olhar mais atento de investidores, órgãos mundiais e reguladores está reforçando o interesse corporativo em práticas aderentes à agenda ESG – sigla em inglês que traduz as questões relacionadas a meio ambiente, preocupação social e boa governança sobre as quais as organizações devem se debruçar.
Entre os investidores, as preocupações com a criação de passivos e geração de prejuízos diretos contrapõem-se com indicativos de prosperidade e melhores resultados financeiros relacionados às empresas voltadas ao tema. Artigo do jornalista Leonardo Pinto no portal XP Investimentos menciona estudos da McKinsey relacionando benefícios que vão desde facilitação burocrática junto a governos até redução de custos e preferência do consumidor, com 70% indicando que pagariam até 5% mais por produtos ecológicos com padrões de desempenho similares aos demais.
Uma das empresas que aproveitaram a tendência da demanda é a Unilever, cujo projeto Sunlinght resultou em detergente lava-louças com menos água necessária para enxágue, que superou o crescimento da categoria em mais de 20% em locais com escassez de água. Já a 3M economizou bilhões de dólares com o programa de reutilização de matérias-primas Pollution Prevention Pays, enquanto a Fedex expande frota de carros híbridos ou elétricos para cortar gastos com combustíveis. No quesito social, um dos exemplos vem de dentro: pesquisadores da London School of Economics mostraram que as ações de empresas cujos funcionários tinham maior conexão com valores corporativos e bem-estar social tiveram retorno 2% a 3% maior ao ano em período de 25 anos.
Sustentabilidade, ética e religião - O artigo situa o nascimento da ideia de investimento sustentável a partir de códigos éticos e crenças religiosas, com grupos como judeus, muçulmanos e metodistas sendo pioneiros no estabelecimento de padrões de investimento em acordo com seus valores, com veto a setores como bélico, de bebidas alcoólicas e tabaco. Um dos primeiros fundos constituído especificamente com valores deste teor foi o Pax World Fund, de 1971, criado por reverendos com foco em empresas voltadas à responsabilidade social e exclusão das contribuintes com a Guerra do Vietnã.
Em 1977, outro reverendo e líder de direitos civis, Leon Sullivan, compilou um código de conduta empresarial, Princípios de Sullivan, para promover responsabilidade social corporativa e ajudar a aplicar sanções econômicas como pressão contra o apartheid na África do Sul. A ONU adotou versão atualizada deste código para fundar o Pacto Global, que empregou pela primeira vez o termo investimento ESG em 2005.
“Há um processo em andamento no mercado financeiro para quantificar essas questões, tirando o foco exclusivo de valor para o acionista para incluir valor para todos os stakeholders”, diz Leonardo Paes Müller, economista, doutor em filosofia e pesquisador da Aberje, que este ano criou programa com uma série de entrevistas sobre o tema. Esse alargamento de horizonte tem visão horizontal, com abrangência de outros públicos, e temporal, tirando o foco da rentabilidade de curto prazo para olhar para um futuro marcado pelo que ele chama de capital ético. “Em certo sentido, a conta chegou no bolso e estão sendo criados mecanismos de gestão de riscos para o mercado financeiro”, acrescenta.
No ano passado, por exemplo, o fundo soberano da Noruega excluiu as empresas brasileiras Vale e Eletrobras de sua carteira de investimentos depois de levar em conta o risco das companhias contribuírem para danos ambientais, como no caso de Brumadinho, e violações a direitos humanos, a exemplo de ocorrências relacionadas à Usina de Belo Monte. A Vale já tinha enfrentado dificuldades semelhantes com fundos como o britânico Church of Engand, o californiano Calpers e a gestora holandesa Robeco.
Já o grupo financeiro Nordea, sediado na Finlândia, defende em seu website que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU em 2015 tornaram-se seu modelo de futuro, já que empresas aderentes e mais responsáveis com funcionários, fornecedores, meio ambiente e sociedade reduzem riscos de negócios e aumentam chances de melhor desempenho competitivo.
O artigo “ESG finalmente tornou-se popular” recorre a estudo da Harvard Business School, com dados de 1992 a 2012, para apontar que retornos financeiros para investidores de empresas com boas classificações em materialização de sustentabilidade superam as demais em 6%, em média. Entre os resultados práticos, a unidade de gestão de patrimônio e ativos do banco Nordea planeja excluir investimentos não sustentáveis nos próximos cinco anos e perto de 70% dos fluxos no último trimestre do ano passado já foram direcionados para produtos atrelados a metas ESG.
Trilhões verdes - O sueco SEB, que ajudou a coordenar o primeiro título verde do mundo há mais de dez anos, estima que a emissão global de ativos sustentáveis, inclusive de empresas ainda em transição, mas com metas palpáveis, deve superar US$ 1 trilhão este ano. Em janeiro, a gestora de ativos BlackRock incentivou empresas a apresentarem planos de alinhamento dos negócios a economia neutra em carbono até 2050.
Pesquisa da consultoria Mazars com 37 bancos ao redor do mundo, incluindo os brasileiros Itaú e Bradesco, indica que 87% das instituições financeiras já oferecem produtos “responsáveis” a seus clientes, contra 47% no ano passado, e 74% contam com medidas que fomentam a cultura da sustentabilidade, contra 49% um ano antes. Além da integração da dimensão socioambiental na estrutura de riscos, também pesaram desafios da pandemia, com maior preocupação relacionada a gestão de crédito e flexibilização da liquidez. O relatório aponta que o mundo financeiro não pode mais ver seu futuro separado do meio ambiente e das mudanças climáticas e que, só em 2020, os riscos naturais resultaram em danos de US$ 210 bilhões.
No Brasil, que em 2020 superou tristes recordes de devastação ambiental, o Banco Central incluiu a dimensão Sustentabilidade em sua agenda institucional Agendabc#, para promover gerenciamento adequado aos riscos socioambientais e climáticos. A questão é que a própria pandemia pode ser um exemplo da distância que falta percorrer para que organizações ao redor do mundo vençam desafios tão prementes como o climático.
O consagrado autor Yuval Noah Harari, autor de best sellers como Sapiens e Homo Deus, destacou em evento promovido este ano pela XP que a falta de liderança global e respostas pífias de alguns países mostram que a ciência carece da política para estabelecer colaboração suficientemente capaz de enfrentar questões desse tipo. “A ameaça é clara. Se o homem não consegue se unir frente a esse problema, como podemos ver cooperação global contra mudanças climáticas?”, questiona. “Não é altruísmo. Questões globais exigem respostas idem.”
“A demanda ESG é uma agenda de convivência de uma espécie que levou 200 mil anos para atingir o primeiro 1,2 bilhão de indivíduos”, observa o vice-presidente institucional da Tim, Mario Girasole. Ele lembra que a preocupação da sociedade em acompanhar as boas práticas de gestão das companhias e a abertura destas para as mudanças em prol da agenda ESG ganharam ainda mais força com demandas de atenção ambiental, social e de governança trazidas pela crise pandêmica. A operadora é signatária do pacto global da ONU desde 2008, integra o índice de sustentabilidade empresarial da bolsa brasileira (ISE) há 13 anos e faz parte do Novo Mercado da B3 desde 2011. Seu plano ESG é parte integrante do plano industrial e, segundo Girasole, as movimentações do mercado mostram que a política ESG já é parte da estrutura dos negócios.
Continue sua leitura do Especial ESG na parte dois.
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