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Simone Biles, Olimpíadas 2020, desistência e saúde mental: vitória ou derrota?

Confira o artigo assinado pelo psicólogo Álex Cavalcante, em que o profissional faz uma reflexão acerca da questão da saúde mental no trabalho, nos jogos e na vida em sociedade

O mundo todo foi pego de surpresa ao ver a superestrela da ginástica, Simone Biles, atleta dos Estados Unidos, decidir se retirar da competição de ginástica artística nas Olimpíadas de Tóquio 2020, após falhar em um salto específico. A decisão surpreendeu ainda mais porque o movimento (salto) é justamente aquele pelo qual Biles é considerada referência mundial. Ainda assim, o país liderado por Joe Biden levou a prata na modalidade no evento mundial que se encerrou no dia 8 de agosto, no Japão. 

Especialista na ginástica artística, vencedora de 25 medalhas em campeonatos mundiais, sendo 19 de ouro, Simone Biles é a ginasta mais condecorada na história dos EUA em mundiais. A trajetória da atleta consagrou seu favoritismo para somar ainda mais medalhas nas Olimpíadas de Tóquio. Ainda assim, tantas vitórias foram esquecidas após o turbilhão de críticas que Simone Biles recebeu quando optou por não prosseguir com a competição.

 

Uma competição de…. críticas

Entre elas, aproveito para compartilhar aqui algumas colocações que ouvi recentemente:

-“Ficou com medo! Um completo descaso com o espírito olímpico. Simone Biles, uma das maiores atletas de todos os tempos, revelando sua fraqueza para o mundo todo! ”

-“Em vez de dar a volta por cima e mostrar a sua força, resolveu se esconder atrás da saúde mental, supostamente abalada. ”

-“Esta atleta está fazendo papel de vítima para se livrar das suas obrigações como competidora. ”

-“Esses diagnósticos de transtornos mentais, que nem causas definidas têm, só afastam as pessoas dos seus objetivos. ” 

-“Até quando essa frescura e preguiça vão ser levantadas como causa de impossibilidades? ”

Caso você tenha ficado com raiva de ler essas suposições, acredite, a vida real é assim! A grande maioria das pessoas traz suas colocações com ar de injúria, soberba e de raiva, sem entender absolutamente nada sobre a prejudicial grandeza que é um sofrimento psíquico. Dessa forma, as falas citadas refletem infelizmente o jeito que muita gente, sem conhecimento algum, enxerga os problemas de saúde mental usando do conceito de que vitória é você atropelar seus pensamentos, dores e questões internas em prol do topo no pódio.

É importante reforçar que as referidas falas não manifestam a minha opinião, que é completamente contrária a isso. Penso dessa forma porque, além de tratar pessoas que sofrem com tais dores, eu também já experimentei tais processos psíquicos.

 

Preparo mental nos esportes e nas Olimpíadas

Não por acaso, esse ocorrido me direciona para um tema importante: preparo mental. Como anda a questão do treino mental dos profissionais e atletas, tanto os das recentes Olimpíadas, quanto os do Brasil e do mundo? Será que o sofrimento psíquico nos campeonatos é falta de treino psicológico? Aproveito também para deixar uma provocação: como você pode ser parte da cura de alguém sem colocar estigmas de saúde mental?

Atletas como Simone Biles são preparados durante anos para suas competições com objetivo de vencer, ao passo que, para visualizar a vitória, são instruídos a suprimir emoções… entre elas, como lidar com a possibilidade de derrota, tendo esse como um dos principais conselhos para levar a uma competição de tamanha magnitude.

Infelizmente, esse tipo de aconselhamento não desencorajou a atleta de reconhecer que sofreu um episódio conhecido entres as atletas de ginástica por ‘twisties’. Funciona assim: apesar de já ter realizado o mesmo movimento com perfeição inúmeras vezes, esse episódio psicológico impede que, na execução do movimento, o atleta não se recorde como realizá-lo. Ocorre que o seu cérebro não visualiza o movimento, impedindo o corpo de desempenhar. Além do sofrimento mental que o episódio causa, sua consequência pode ser fatal na ocorrência de uma queda.

 

A ausência da empatia nas arquibancadas da vida real

E você? Conhece ou já conviveu com alguma pessoa que não consegue enxergar o sofrimento alheio? Se sim, lhes digo que estas pessoas provavelmente não viveram e também não conseguem desenvolver o sentimento simples que pode mudar tudo: a empatia. 

Aquela capacidade de perceber um sintoma em outra pessoa, por menor que seja, e se importar com isto. Muitas pessoas ainda são capazes de enxergar de um jeito muito infeliz os problemas de saúde mental. 

Não sabemos com precisão o que Simone Biles atravessou. Mas o comportamento de abandonar uma competição em grupo deve ser levado a sério. Qual o suporte psicológico ela teve? Que problemas mentais a referida gíria ‘twisties’ materializaram o que sentiu naquele instante? 

É algo dela e não nos cabe apontar o dedo para a situação e dar palpite. Expor o sofrimento psíquico é um ato de muita coragem. É para poucos. Vitória? Em partes, sim!

 

Perdas e derrotas, no jogo, amor e na vida

O estresse agudo e os transtornos mentais, como ansiedade e depressão, basicamente são responsáveis por prejuízos de bilhões de dólares todos os anos. Precisamos começar a observar isso pelo ponto de vista econômico e social. Afinal, ignorar uma pessoa que sofre psiquicamente, hoje, considerando o conhecimento que já temos, é desprezar uma realidade. Perdemos dinheiro, relacionamento, interação, perdemos oportunidades de crescimento. Enfim, perdemos como seres humanos, profissionais e como sociedade.

Isso vai muito além de um problema de saúde. É grave para quem sofre, é prejuízo para quem atravessa junto. No caso de Simone Biles, imagine só o que aconteceu por ela não competir? Foi vitoriosa? Sim, do ponto de vista da sua saúde mental. Mas carregada de perdas. Uma abordagem biopsicossocial é bem-vinda, tanto em prevenção, como em tratamento.

Dessa forma, Simone trouxe um conceito interessante em rede internacional, e foi muito corajosa em assumir o seu sofrimento psíquico de cunho emocional. A pressão em ser de alguma forma a melhor do mundo não permitiu que ela competisse, contudo, preservou algo mais valioso ainda: sua sanidade mental.

 

Sofrimento psíquico nas nossas casas, trabalhos e vidas: como ajudar quem sofre?

Se você conhece alguém que esteja em sofrimento psíquico, abra espaço para o diálogo e jamais adote uma atitude de confronto ou julgamento. O ato de ouvir atentamente quem sofre é o primeiro passo para que a pessoa procure ajuda e liberte-se. Aprender a desenvolver a sua capacidade de falar e colocar para fora o que nos faz bem. Assim nos tornamos muito vitoriosos. Na vitória ou na derrota, a sua saúde deve ser sempre a sua prioridade maior. 

Reconheçamos também os nossos guerreiros do Brasil, que representaram tão bem o nosso país nas olimpíadas até aqui: Rayssa Leal - prata no Skate Street, Rebeca Andrade - prata na Ginástica Artística, Ítalo Ferreira - ouro no Surfe, Kelvin Hoefler, prata no Skate Street, Fernando Scheffer - bronze na Natação, Mayra Aguiar - bronze no Judô e Daniel Cargnin - bronze no Judô. 

Vencedores de medalhas históricas, principalmente por algumas virem da estreia do Surfe e do Skate sendo reconhecidos como esporte olímpico: uma nova geração que nos parece estar mais preparados, talvez por se divertirem mais! E mesmo com os erros, aparentam ter mais equilíbrio neste sentido. Que essa nova onda permaneça contagiando a todos nós: vamos em frente nas competições da vida. Juntos somos mais. 

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