Não quero ser o cavaleiro do Apocalipse, mas trago más notícias: o modelo atual das agências de comunicação faliu, morreu e não será ressuscitado. Sim, você leu certo! As agências de relações públicas (muitas são ainda, na verdade, assessorias de imprensa) estão com seus dias contados. Explico: como a mentalidade da maioria delas ainda é focar em atividades envolvendo exclusivamente jornalistas, espécie em extinção, está chegando a hora em que elas não terão mais com quem falar, infelizmente. Mas o foco em atividades direcionadas a editores e repórteres é só a ponta do iceberg. Basta mergulhar um pouco mais para entender que o modus operandi trincou. Acompanhe abaixo:
Fala que eu te escuto: em geral, quando uma empresa vai atrás de uma consultoria de comunicação é porque está em apuros ou quer vender um determinado produto ou serviço. E, como o nome consultoria sugere, busca orientação, conselho, direcionamento. Mas o que acontece na prática é que as agências acabam falando menos e reagindo mais.
Este approach reativo está calcado no fato de muitas agências ainda terem pencas de jornalistas em seus quadros de funcionários. E jornalistas sempre foram treinados para atuar com um chapéu específico: contar histórias no mundo off-line. Não existe certo ou errado aqui, mas a verdade é que as habilidades necessárias para vencer em um ambiente de agência vão muito além um bom texto. Faço uma ressalva aqui. Desde os 12 anos de idade, quis ser jornalista. Me formei na área e exerci a profissão por vários anos. A verdade dói, mas precisamos reconhecer que nossa profissão, como foi desenhada inicialmente, virou pó.
Outro ponto a ser discutido é a juniorização das agências. Em primeiro lugar, há que ser justo e notar que ela acontece na mesma proporção e velocidade adotadas pelas áreas de comunicação das grandes corporações, o que só prejudica o jogo.
Mas dez em cada dez pitches seguem o mesmo script: os caciques das agências costumam aparecer frente aos contratantes e discursar sobre como a sua empresa é diferente, integrada, só trabalha com gente bem preparada para fazer as entregas necessárias, blá blá blá. Mas o walk the talk dura algumas horas, talvez dias e, passada as tais reuniões de imersão, os atendimentos são as cabeças que debatem e decidem a reputação das corporações. Será que alguém com dois ou três anos de experiência tem capacidade para decidir o posicionamento de uma marca X sobre o universo LGBTQ+ ou as recentes queimadas na Amazônia? Sobre o uso de canudinhos? Ou ainda economia circular?
Não estou aqui dizendo que deveria ser diferente. Entendo que, se você quer ganhar um negócio, tem que ir com o melhor time disponível. Mas nada mais justo que esse mesmo time esteja presente sempre que necessário. Raramente é o caso.
Uma segunda leva é formada por aquelas agências que nasceram, cresceram e se casaram com grupos internacionais (leia-se: foram compradas pelas WPPs e Omnicoms deste planeta). O próximo passo, como nos ensinou Galileu Galilei em seu Ciclo da Vida, é morrer. Sim, porque, geralmente, sua essência vira fumaça no momento que o cheque gordo é depositado na conta bancária dos fundadores.
A terceira e mais populosa turma (estudos apontam que temos hoje mais de duas mil agências Brasil afora) ainda são empresas familiares. E aí, meus caros, temos o anjo e o demônio de mão dadas.
O bem se faz presente porque, teoricamente, elas poderiam ser ágeis e astutas em fazer primeiro. Em desbravar mercados. Em testar novos produtos e formatos de atendimento. Tudo isso sem ter que passar pelos vários níveis de aprovação que as agências gringas exigem. Gostou? Faz! Quer testar? Tô dentro! Vamos nessa! E sem precisar passar por oito calls, seis versões de um plano em Power Point, catorze reuniões, incluindo gente que se senta em Nova York, São Francisco ou Londres e que sabe pouco ou nada do mercado local.
Mas, diferentemente das histórias da Disney, aqui o mal prevalece sobre o bem. Isso porque as agências familiares parecem seguir a mesma cartilha de funcionamento: decisões lentas (e muitas vezes erradas por serem baseadas puramente em emoções), falta de processos (o que exige retrabalho e horas gastas com tarefas inúteis feitas por gente cuja hora laboral é cara e que deveria estar participando de outras atividades como inovar, por exemplo) e carência de visão estratégica (Hamlet, personagem icônico de Shakespeare, nos fez pensar sobre existir ou não existir ao declamar "To be or not to be, that´s the question"). Pois é, as agências nacionais precisam refletir sobre o que querem ser nesta vida. É oferecer mais do mesmo?
Qual é a sua razão de ser? Sua causa? Seu diferencial? São perguntas que devem ser respondidas. Até acredito que algumas delas querem discutir seu propósito. Mas não sabem como. Tampouco sabem pedir ajuda. É tudo muito caseiro, tosco e recheado do tal jeitinho. Muitas gritam por socorro quando já estão debaixo d´água — muito esforço para quase zero resultado. Outras parecem acreditar que, num passe de mágica, tudo será resolvido.
Déjà vu: a tríade da comoditização de serviços e produtos, baixa qualidade dos profissionais que habitam os corredores das agências e um pensamento arcaico sobre como fazer comunicação faz com que as agências de relações públicas continuem em seu cercadinho, sempre pautadas por inchadas e desleais concorrências, fees que beiram o ridículo (continuam sendo os primos pobres da publicidade) e turnover alto — este último ponto é agravado pela inexistência de áreas de recursos humanos nas agências.
É como se elas fizessem parte do filme O Dia da Marmota, estrelado por Bill Murray e Andie MacDowell. A película conta a história de Phil Connors, um meteorologista presunçoso e arrogante que fica preso em uma armadilha atemporal que o faz reviver o mesmo dia sem fim. Todos perdem neste cenário. Mas nem por isso devemos abolir agências de comunicação dos planos de negócios e planilhas de budget em Excel das empresas.
Prova disso é que renomadas consultorias como Accenture, McKinsey e EY, só para citar algumas, resolveram entrar neste jogo. Isso nos dá uma ou duas pistas sobre a demanda reprimida que existe por um trabalho de inteligência quando o assunto é a marca das corporações. Essas consultorias já entram em vantagem nesta briga por apresentarem um portfólio customizado de acordo com as necessidades dos clientes, mix de pessoas que pensam de maneira diferente e complementares (sim, é saudável discordar!) e processos de todos os gostos, tamanhos e cores.
Não estou aqui cuspindo no prato que comi (já trabalhei em agências de pequeno, médio e grande porte. E aprendi muito em todas elas. Aprendi a acertar. E a errar também). Ao contrário. Como disse no início deste artigo, o modelo atual das agências caducou. Mas ainda acredito que seja possível proteger e projetar marcas valendo-se de tecnologias disruptivas, pessoas com capacidade de pensar em profundidade e, acima de tudo, doses intravenosas de coragem, muita coragem para arriscar e fazer diferente. Caso contrário, as agências de comunicação viverão para sempre o seu dia da marmota.
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