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Diversidade no Jornalismo: essa é a pauta

A fim de modificar a estrutura midiática brasileira – na qual a minoria é composta por profissionais negros – iniciativas independentes têm se organizado com o intuito de dar voz a esses trabalhadores. Um exemplo é o portal “Notícia Preta”, fundado pela jornalista Thaís Bernardes (foto)

Divulgação / LinkedIn

"Eu decidi que faria um Jornalismo diferente, onde nosso interesse é pelo fato, mas também pelas pessoas. O que eu faço é Jornalismo humanizado”, explica Thaís.

Segundo a pesquisa “Perfil Racial da Imprensa Brasileira”, realizada pelo IBGE, apenas 20% dos jornalistas brasileiros são negros. Os dados obtidos nesse estudo revelaram que embora 56,20% da população brasileira se autodeclarou negra, 77,6% dos jornalistas se declararam brancos; 20,1% pretos ou pardos; 2,1% amarelos e 0,2% indígenas. Os resultados também apontaram para questões hierárquicas, uma vez que 61,8% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos, enquanto que apenas 39,8% são ocupados por negros. Em contrapartida, nos cargos operacionais, os negros são a maioria, com 60,2%, contra 38,2% de pessoas brancas.

Na busca pela modificação dessa estrutura midiática, iniciativas independentes – como o portal “Notícia Preta” e a ONG “Énois” – têm se organizado para dar voz a esses profissionais.

O portal “Notícia Preta” foi fundado em 2018 pela jornalista Thaís Bernardes. O projeto nasceu do incômodo da profissional, enquanto jornalista, em ler matérias onde pessoas como ela, negras, se vissem representadas ou respeitadas. “Quando o criei, eu coordenava a Comunicação da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, e por mim passavam os casos mais absurdos que aconteciam no Estado. Quando os jornalistas me procuravam era, na maioria das vezes, para pedir o contato de uma mãe que teve seu filho assassinado. Mas ele não queria ouvi-la, necessariamente; ele queria reproduzir estereótipos de uma mãe preta que perdeu seu filho, é pobre e favelada. Eu decidi que faria um Jornalismo diferente, onde nosso interesse é pelo fato, mas também pelas pessoas. O que eu faço é Jornalismo humanizado”, explica Thaís.

Apesar da população negra representar 75% dos mortos pela polícia, segundo dados do 13º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2019, a Rede de Observatórios da Segurança, divulgou o relatório “Racismo, motor da violência”, o qual mostrou que, em um ano, apenas 0,4% das notícias relacionadas à segurança pública e violência referiam-se a racismo e/ou injúria racial. Foram analisadas 12.559 notícias sobre a temática durante um ano, em cinco estados brasileiros, publicadas em jornais, sites, portais noticiosos, perfis de redes sociais e grupos de WhatsApp, e apenas 50 mencionaram os termos raciais.

 

Trabalho de base

Além do portal, o “Notícia Preta” atualmente trabalha como uma incubadora e um espaço 100% digital que forma comunicadores negros e periféricos oriundos das cinco regiões do Brasil. No projeto, eles têm a oportunidade de aprender questões voltadas a Direitos Humanos, História da Imprensa Negra no Brasil, Assessoria de Imprensa, Gestão de Redes Sociais, Edição de Vídeo, entre outras. “Nosso objetivo é formar e inserir no mercado de trabalho profissionais qualificados e com olhar diverso da Comunicação”, conta Thaís.

A executiva conta ainda que nesses três anos de jornal, mais de 60 pessoas já passaram pelo portal – entre profissionais e estudantes que integram a incubadora – a fim de aprenderem a fazer um Jornalismo antirracista. “Quando formamos profissionais, e também treinamos os que já estão nas redações ou empresas, estamos, na verdade, fazendo um trabalho de transformação social”.

Na mesma linha de buscar atuar do lado educacional, a ONG “Énois” surgiu como uma oficina de Jornalismo para adolescentes e jovens da Casa do Zezinho, no Capão Redondo. Sob a premissa de trazer aos centros das narrativas vozes periféricas, negras, indígenas, LGBTQIAP+, PCDs, anos depois desenvolveram o projeto “Escola de Jornalismo”, que oferecia aulas de como produzir pautas de forma diversa para jovens do Brasil inteiro, impactando cerca de 4.000 pessoas.

Criado em 2019, hoje, o projeto atua como um laboratório de Jornalismo que apoia o Jornalismo diverso, inclusivo e representativo, por meio de programas e projetos que atingem todas as regiões brasileiras. Além de fortalecer veículos independentes e oferecer formações para jornalistas e comunicadores locais.

O Jornalismo é um pilar central da Democracia, e um dos princípios democráticos é de ouvir e acolher as vozes plurais e suas urgências. Um Jornalismo mais diverso consegue gerar impacto concreto na sociedade. Por exemplo, através da formação do programa ‘Diversidade nas Redações’, Kleber Nunes, um jornalista local de Pernambuco, realizou uma pauta sobre a falta de vacinações de um povo indígena do seu território. Ao publicar essa pauta, ele mobilizou as esferas públicas locais e federais para realizarem essa vacinação. Através de uma formação da ‘Énois’, garantimos a vacinação de um povo indígena”, conta Isabela Alves, Coordenadora de Comunidades do Énois.

 

Investimento na mudança

Embora os projetos tenham seus propósitos e movimentações já definidos, a falta de recursos financeiros impacta o trabalho das organizações e inviabiliza maiores resultados na estruturação da mídia brasileira. “Nosso maior desafio é atender a Sustentabilidade da organização. Ainda dependemos de leis de incentivo para concretizar nossos programas, e por isso, estamos sempre nos inscrevendo em editais públicos. Entendemos que, para ir mais longe e continuar impactando o Jornalismo com a Diversidade, precisamos que nossa Rede faça parte desse caminho”, comenta Isabela.

Ter um portal de notícias não é algo barato. Manter o site no ar, pagar profissionais e ferramentas têm custos que muitas vezes o leitor não percebe, pois o conteúdo é gratuito, mas fazê-lo, não. Hoje, 90% da nossa renda é proveniente de empresas privadas que investem no jornal por acreditarem no propósito e por se interessarem de fato pela temática racial. Empresas e marcas antirracistas investem na mídia antirracista. Também temos anúncios em nosso portal, como qualquer jornal tradicional. É apenas 10% é proveniente dos assinantes. As pessoas gostam de ler informação, mas não querem pagar por elas, justamente por não entenderem que informação de qualidade, apurada, tem custo”, reflete Thaís.