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Metaverso: uma nova Era na Internet

Em entrevista exclusiva, o professor Marcos Silva (foto) fala sobre as experiências que o Metaverso possibilita e quais as transformações que esse novo ambiente virtual pode gerar nos humanos. O bate-papo ainda inclui questões sociais, filosóficas e econômica

Divulgação

“No fim do dia, o que sobra para nós é o corpo, que não é eterno. A fantasia pode chegar ao ponto da patologia”, define Marcos Silva, Professor de Filosofia nas instituições Escola Superior de Propaganda e Marketing e Universidade Federal do ABC.

As novas tecnologias não se restringem mais a uma tela. Trocar e-mails e mensagens não é mais o suficiente no mundo virtual. Compartilhar fotos ou fazer videochamadas aos poucos está ficando para trás. O novo marco da internet chegou e, com ela, o Metaverso, que pretende revolucionar a forma de se comunicar com aparelhos modernos e uma internet que promete cada vez mais.

É dessa forma que essa nova era se promove: um espaço que integra o mundo real ao digital e é capaz de fortalece relações de forma virtual e imersiva, onde seus usuários podem se encontrar, tomar um café, conversar e fazer negócios, ignorando a distancia de seus corpos físicos.

O que pode parecer com um jogo de realidade virtual aumentada, como um Second Life, por exemplo, na verdade tem movimentado amplamente a economia, seja pelos preços dos aparelhos que possibilitam essa tecnologia funcionar, seja pelos dados que são gerados dentro da realidade. Em 2021, os tokens relacionados ao metaverso passaram a se destacar também no universo cripto, valorizando em diversas áreas como arte, medicina, venda de terrenos virtuais e identidade digital são apenas alguns dos principais exemplos.

No mundo corporativo, o Metaverso abre um leque de possibilidades aos usuários, desde reuniões com interações mais pessoais entre os participantes, até treinamentos mais especializados, que podem ser feitos à distância. Na comunicação, a nova tecnologia vem sendo usada nas estratégias de Marketing para entender os públicos das marcas e prever tendencias utilizando os dados gerados dentro do próprio ambiente virtual.

O tema, inclusive, foi pauta na 25º edição do Congresso Mega Brasil. O painel A Neurociência e Web3 aplicada à Comunicação e a Revolução esperada com o Metaverso trouxe ao palco os convidados Regina Monge, fundadora e dirigente do Neurobranding LabGil Giardelli, professor, escritor e inovador na @5Era; e Marcos Silva, Professor de Filosofia, para falar sobre suas respectivas experiências, desafios e opiniões sobre o Metaverso.

Ainda tentando entender a experiência que é o Metaverso, o Jornal da Comunicação Corporativa convidou Marcos Silva para falar um pouco mais sobre seu ponto de vista. Como professor das instituições Escola Superior de Propaganda e Marketing e Universidade Federal do ABC, Marcos leciona no curso de Sistema da Informação com Filosofia de tecnologia, transitando entre as duas áreas. Seu campo de atuação busca compreender o espaço do humano dentro de um mundo cada vez mais digital, onde as relações são definidas em espaços virtuais.

Em sua apresentação no Congresso Mega Brasil, Marcos provocou os ouvintes questionando sobre qual a carga moral que é levada pelos usuários para dentro do Metaverso. Para explicar ao JCC sobre o questionamento, o professor didaticamente retorna na história da humanidade, quando o Metaverso ainda não era uma realidade e o conceito de Bem e Mal ainda não contavam com uma carga moral: “Uma história narrada pelo desenvolvimento do humano, há também a história do homem narrada pelo próprio homem. Dentro desta, há algumas fases na evolução da razão, desde os homens pré-históricos. Mas chega um momento em que a razão sozinha é insuficiente para dar as respostas para suas relações com o mundo”, explica.

O professor explica que, se percebe que há coisas da natureza que não podem ser explicadas racionalmente, então é necessário criar valores morais para as coisas, aquilo que é o Bem e Mal. No Ocidente, esses conceitos já foram criados com carga moral, mas passaram a ser relativizados, sendo que o que é Bem para uns pode não ser o Bem para outros. “Esses conflitos criam a necessidade de valores morais que sirvam para todos, como por exemplo, os direitos humanos”, elucida.

A necessidade de traz isso para o Metaverso é traduzida quando, dentro do espaço virtual, não existe um juiz humano para lidar com a carga moral. “Metaverso não lida mais com decisões humanas, mas de inteligência artificial, então se se coloca na máquina, que hoje aprende sozinha, a possibilidade de tomar decisões com carga moral humana sem a necessidade do ser humano.”

Segundo Marcos, não é à toa que se tem hoje, além da Lei Geral de Proteção de Dados, muitas empresas que estão preocupadas com compliance, por exemplo, ou preocupadas com como se regulamentar o que acontece no Metaverso e na internet. “É difícil ainda regulamentar comportamentos na internet, porque ainda temos certo anonimato por trás das redes”, afirma. Entretendo, o professor acredita na possibilidade, desde que os dados que são gerados na Internet são armazenados em um data center, que estão sob controle das empresas “Isso é igual no Metaverso, a diferença é que nele não há presença orgânica, tudo que acontece dentro dele acontecem em outro mundo. É preciso então regulamentá-lo enquanto é tempo, antes que não seja mais possível”, diz ele.

O Metaverso ainda não é um espaço sem leis. É uma tecnologia pertencente às grandes corporações, como o Meta, companhia comandada pelo conhecido Mark Zuckerberg, que oferece produtos, serviços e terrenos dentro do ambiente virtual, e armazenam as informações que lá são geradas. “Um terreno no Metaverso é um espaço comprável, é um lugar onde se pode comercializar tudo o que acontece ali. Pode-se colocar objetos estéticos, prédios, roupas para seu avatar; tudo é possível se tirarmos da nossa cabeça que ele não é um terreno físico”, Silva explica. “Mas não podemos tirar da cabeça que esse terreno virtual também é materializado, por estar inserido no modelo do capital digital, o famoso capitalismo financeiro, ou capitalismo informacional e assim por diante. Estamos falando de dinheiro real que compra espaços irreais, porque no fim do dia, o que se faz com o dinheiro ganhado no Metaverso é tomar um café real.”

Entretanto, esse não é um espaço democrático. Para o Metaverso existir, é necessário acesso à internet, algo e nem todo mundo no Brasil tem acesso. “Quando essas pessoas tiverem acesso à internet, pode-se lançar outra pergunta, que é qual o valor que elas têm dentro do Metaverso? Participa do modelo do capitalismo financeiro no Metaverso quem tem moeda para trocar. O valor que você tem no mundo real é o mesmo que você tem no digital. Quem não tem valor no mundo real não tem no mundo digital. Mas como se pode virar um objeto de valor no mundo digital? Transformando-me em um dado, uma informação”, afirma o professor.

Sendo assim, quem tem valor no Metaverso é quem se torna uma informação valiosa, que pode ser vendida para uma empresa de acordo com o interesse dela, em forma de dados. “O que estamos dizendo aqui é que temos que ter cuidado com essa sutileza, se não excluiremos as pessoas que já são excluídas no mundo real também no mundo digital.

Marcos acredita que os usuários do Metaverso devem tomar cuidado com o que vivem dentro do ambiente virtual. Como um espaço que potencializa o marketing, o trabalho imersivo do Metaverso pode até gerar emoções com seus aspectos imersivos, porém, é necessário entender o que é realidade e o que é virtual. “Fora do digital, eu continuo sendo um corpo: sinto fome, sinto sede, sinto desejo. As questões emocionais desse corpo podem ser levadas para dentro do Metaverso, mas só posso realizar essas emoções do corpo em coisas reais. Nós temos que ter cuidado com isso, porque somos seres existenciais, não basta só dizer que temos um corpo no mundo, a existência é mais que só existir num mundo que se apresenta diante de mim, é uma relação que temos com o mundo”, afirma.

O professor entende que, se o mundo que se apresenta como ser-no-mundo é digital, então o ser humano estende sua existência para o mundo digital, sem ser digital. Ou seja, há algo de não verdadeiro nisso, que se relaciona com algo que a pessoa não é. “Nossa relação com o mundo, ao longo da história, tem sido orgânica, tocar as coisas e se relacionar com elas foi a norma, mas hoje em dia as coisas não nos tocam mais: o mundo está deixando de ser sensível. É como se nos tornássemos seres inanimados, não tocamos as coisas, as coisas não nos tocam, só temos a sensação subjetiva delas”, exemplifica.

Ele explica que existe um limite entre o real e a fantasia, e que muitos tem fantasiado com o Metaverso. “No fim do dia, o que sobra para nós é o corpo, que não é eterno. A fantasia pode chegar ao ponto da patologia”, define.

Ainda assim, o Metaverso pode alterar o mundo físico. Marcos explica que o dinheiro que é movimentado no ambiente digital é real, como por exemplo os investimentos das empresas e produtos virtuais que são comercializados dentro e fora daquele espaço. “O Metaverso trabalha com a possibilidade de comercializar dinheiro abstrato, moedas digitais, mas essas decisões afetam diretamente o mundo real”, afirma. “O nosso mundo é ainda materialista, o dinheiro determina nossas condições sociais de vida, então o que acontece no Metaverso não fica lá dentro. Se nosso mundo mudar, pode ser que o Metaverso também mude nesse sentido, que o que aconteça lá fique lá. Por enquanto, não podemos deixar de ver que as pessoas morrem de fome por decisões do capitalismo digital.”