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Dois leões e um dólar

Montar um negócio no Brasil significa estar numa selva. Em 33 anos de comunicação, eu já passei por pelo menos cinco moedas diferentes, dezenas de normas tributárias e centenas de diferentes formas de recolher impostos

Divulgação

Pedro Cadina: "Empreender é a atividade econômica mais arriscada que existe"

A VIANEWS Hotwire chegou aos 33 anos. É um empreendimento do qual me orgulho, que proporcionou, e continua proporcionando, coisas maravilhosas para minha vida e para as pessoas que estiveram comigo. Depois de tanto tempo assim “on the road”, muitos aparecem perguntando o que fizemos e como fizemos? Nessas ocasiões, minha primeira lembrança é meu amigo John.

A selva

John é um bem-sucedido executivo internacional, com passagens por empresas globais nos EUA, Europa e Ásia. Alguns anos atrás, quando me contou que voltaria ao seu País, os EUA, me disse sobre o Brasil: “Aqui é uma loucura. Todo dia tem que matar dois leões e cada dia tem um Dólar diferente”.

Ora, quando vamos montar um negócio, é exatamente o que John expressou: estamos em uma selva. Por isso, sempre que conheço alguém que tem uma empresa no Brasil há mais de três anos, dou parabéns. É um herói.

As leis e a regras mudam rapidamente, ou porque o Governo/Congresso quis ou por que o burocrata de plantão, com seu pequeno naco de poder, decidiu. Nesses anos todos, eu já passei por pelo menos cinco moedas diferentes, dezenas de normas tributárias, centenas de diferentes formas de recolher impostos. Isso sem falar em concorrência predatória, recessões, falências de clientes, etc.

O risco

Outra coisa que se deve avaliar é o risco. Empreender é a atividade econômica mais arriscada que existe, mais do que bolsas de valores, moedas ou commodities. Nesses casos, as regras são claras e transparentes. O mesmo não acontece quando você abre uma empresa. Nunca vai ficar transparente para você como a concorrência vai agir. Ou quando começa a próxima crise econômica. Ou quando seu cliente vai mudar de fornecedor, ou seu funcionário vai mudar de emprego.

Essas são variáveis sobre as quais temos pouquíssimo ou nenhum domínio, no máximo alguma percepção. Então, se você tem algum dinheiro, pode ser mais vantajoso colocar no mercado financeiro, onde poderá obter rentabilidade sem destruir valor. O empreendimento só vale a pena quando pagar mais que os demais investimentos do mercado.

Esqueça o lucro. Viva o lucro!

É comum ouvir de grupos de estudantes e novos empreendedores que seu objetivo é auferir lucro. Nada mais enganoso. Lucro em uma empresa não é, e não pode ser, objetivo. Lucro é princípio, base do sistema. É como se uma pessoa declarasse que seu objetivo é respirar. O lucro é o ar com o qual a empresa vive, sem ele não tem negócio. Dê um tempo para chegar ao lucro, se não chegar esqueça, realize o prejuízo, ou você morre sufocado.

Produto valioso

Um erro comum é achar que nossos produtos e/ou serviços são os mais valiosos do mundo. Mas não podemos encarar nosso produto da mesma forma que o paizão considera o filho que acaba de entrar na faculdade, “um gênio”. Não importa quantas horas, noites, dores você passou, ou quanto sangue você derramou até chegar a ele. Nem quanto você quer ganhar. Um produto vale o quanto o mercado paga por ele. É duro, mas é assim.

Trabalho e hora extra

Costumo brincar com minha família dizendo que meu nome é trabalho e meu sobrenome é hora extra. A frase nem sempre é um exagero. Em um dia 23 de dezembro, malas na porta, crianças prontas para as férias, meu celular tocou. Um cliente pedia ajuda em uma crise pública de imagem que se iniciava. O Papai Noel chegou e eu estava no celular com o executivo. Estouramos a champanhe do final do ano e eu corri para o computador para enviar um comunicado. Nessas mais de três décadas, eu dediquei muitos Carnavais, Dias dos pais, Semanas Santas e feriados à minha empresa. Se você não quer passar por isso, esqueça o empreendedorismo.

Esqueça o trabalho

Pode parecer contraditório, mas não é. E quando você entender isso, dará um enorme passo. Faça tudo o que puder e não puder pelo seu empreendimento, inclusive não deixar de viver. Arrume um tempo para sair com a família, tire férias, vá à praia. Dedique atenção a tudo isso. Não deixe que o empreendimento atrapalhe a vida.

Contrate um analista

As incertezas são sempre maiores do que as certezas. Você não sabe se terá os clientes que precisa. Não sabe se o dinheiro será suficiente para o 13º, nem quando a crise vai passar, nem se os preços vão cair. Muitas vezes, eu iniciei o mês sem saber se o caixa estaria positivo dali a cinco dias, quando o contas a pagar seria enorme. É um movimento que causa frustração, sensação de impotência, ansiedade, depressão. Analistas e médicos fazem parte de nossas vidas, não deixe de consultá-los e de cuidar da saúde.

Curso: como empreender

A oferta de formações em empreendedorismo é enorme. Costumo analisar isso como analisamos religiões. Há religiões e religiosos genuínos, que vão ajudar você a encontrar o melhor caminho. Outras, querem seu dinheiro. Atualmente, alguns profissionais descobriram no empreendedorismo um segmento para tirar dinheiro de seu bolso. Por eles, você ficaria sentado na cadeira dez anos aprendendo a criar uma empresa. Saia fora disso. Faça um bom curso de empreendedorismo ou administração para ter o instrumental teórico necessário. Depois, a pratica diária constrói seu negócio.

Ideologia, quero uma pra viver

Se você prefere esse governo ou aquele partido. Se gosta mais da esquerda ou da direita (e não pode abandonar isso), esqueça o empreendedorismo. Criar negócios não tem nada a ver com ideologias - e os acontecimentos recentes do País provam isso, para o bem e para o mal. Eu já ganhei mais contratos com governos com os quais eu não concordava do que o contrário.

Tempos de bonança, tormenta logo ali

Uma manhã eu e meus sócios acordamos sem um tostão no banco e uma fila de gente exigindo pagamento. Era o Plano Collor e nosso dinheiro havia sido confiscado. Eu achei que era o fim do mundo, não era. Alguns anos depois nossa situação era maravilhosa, com mais de quarenta clientes na casa. Mais tarde, com a Bolha da Internet e a crise do País no início da década passada, quase perdi a empresa. A tormenta passa, mas a bonança também. Fique firme.

Os planos e o cavalo arriado

Para alguns, o plano de negócios é algo tão importante que deve ser seguido como um touro que só vê seu objetivo. Se no início eu tivesse um plano de negócios, provavelmente as coisas seriam mais fáceis. Mas um empresário não pode deixar de aproveitar uma oportunidade, inclusive se estiver fora do plano. Um ditado expressa muito bem essa situação: o cavalo arriado nunca passa duas vezes. Não deixe de montar em uma oportunidade quando ela aparecer.

O caso de fracasso

Mídia e blogs de empreendedorismo estão cheios de casos de sucesso. São ótimos para aprender e encontrar caminhos de como fazer. Mas os erros costumam ensinar tanto ou mais que os acertos.  Alguns anos atrás decidi investir em um negócio na área de pecuária que não tem nada a ver com minha história. Dediquei tempo e dinheiro a isso, até notar que iria precisar de muito mais tempo e dinheiro até aprender sobre o setor. Aprendi a dar foco no que sou bom, custa menos e os resultados aparecem mais rapidamente.

Não faça o que o cliente quer

Essa história de que o cliente tem sempre razão, além de ser clichê, não é verdade.  Ofereça ao seu cliente algo que você sabe e sente que é o melhor para ele, principalmente se o que você vende é serviço. Dessa forma, ele vai sentir você como parceiro, como um conselheiro confiável. Não vale a pena fazer o que o cliente quer somente por causa do contrato. Uma relação como essa é de curto prazo. Compre a briga se necessário e, se você tiver razão, vai ganhar um amigo e um cliente para muitos anos.

Minhas dicas podem matar você

Em empreendimento, como na vida, não há receitas prontas. Se fosse assim, todos poderiam ter uma empresa, seguindo o manual de instruções. Minhas dicas e sugestões me trouxeram até aqui, mas podem matar você. Encontre seu caminho.

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