Em Blade Runner 2049, o replicante K. tem uma namorada digital, chamada Joi. Ele é um ser humano artificial, criado por bioengenharia, enquanto ela é uma inteligência artificial, projetada holograficamente sobre o ambiente físico. Ele trabalha como detetive no Departamento de Polícia de Los Angeles, e ela o ajuda a pesquisar arquivos.
Continuação do clássico de 1982, o filme de ficção científica reúne na personagem Joi tendências que mudam nosso mercado hoje. A comunicação passa por um momento de transformação digital. A expressão pode parecer só mais uma moda do setor de tecnologia, mas na realidade reflete mudanças profundas pelas quais passam os mais variados setores econômicos.
Inteligência artificial, realidade virtual e aumentada e interface de voz são algumas das ferramentas que começam a ter impacto na comunicação. Rodrigo Helcer, CEO da Stilingue, prefere a expressão inteligência aumentada a inteligência artificial. Sua empresa é especializada em aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural em português brasileiro, aplicados à análise de redes sociais, imprensa, influenciadores e canais de atendimento ao consumidor. “O excesso de informação não pode ser um problema”, afirma Helcer. “Para isso, precisamos de inteligência artificial”. Máquinas processam dados em um volume que o ser humano é incapaz de fazer, identificam padrões e tendências em tempo real e preveem resultados. Além disso, atividades repetitivas podem ser automatizadas, desde a preparação de um mailing à produção de um texto. “Precisamos liberar as pessoas para pensar”, completa.
A consultoria McKinsey analisou o impacto da automação no mercado de trabalho até 2030. Segundo o estudo, metade das atividades exercidas por profissionais podem ser assumidas por máquinas, levando-se em conta tecnologias existentes hoje. Isso quer dizer que, na maioria dos casos, as pessoas não serão totalmente substituídas por robôs, mas que precisam aprender a trabalhar ao lado deles.
Por questões técnicas, econômicas e sociais, a transição deve levar algum tempo. Apesar de a tecnologia já estar disponível hoje, a McKinsey prevê que, em 2030, a taxa média de automatização do trabalho chegará a 15%. O percentual deve variar de país para país, sendo que as economias mais desenvolvidas, que tem salários mais altos, devem ser as mais afetadas. De 75 milhões a 375 milhões de trabalhadores em todo o mundo vão precisar mudar profissão.
O impacto no emprego não será necessariamente negativo, segundo a McKinsey. A previsão é de aumento de demanda por profissionais de mídia e design até 2030. Na automação de marketing, a pesquisa atribuiu peso de 90% à melhora de desempenho, comparados a 10% à substituição da força de trabalho.
Com exceção da análise de redes sociais, o uso de ferramentas de automação ainda é tímido na comunicação corporativa. “Um texto escrito por robô pode agradar um cliente mais direto ao ponto, mas a maioria ainda quer um texto mais rebuscado”, afirma Eduardo Vieira, cofundador e CEO do Grupo Ideal. Mas isso é uma questão de tempo. A tendência é que os textos automatizados tornem-se cada vez mais sofisticados.
Na visão de Angélica Consiglio, sócia-diretora da Planin, a comunicação corporativa será totalmente diferente do que é hoje. “Boa parte das atividades feitas por pessoas serão realizadas por robôs”. Ela conta que um portal de notícias feito pela Planin há alguns anos para um cliente tinha 70% do material gerados por robôs. O sistema buscava informações sobre temas como trânsito e clima em fontes confiáveis, fotos no banco de imagens, preparava texto, legenda e título e escolhia a editoria. O editor humano só precisava conferir o material, antes de liberá-lo no sistema. “Toda essa tecnologia é fundamental para reforçar o que é a razão de ser da comunicação corporativa, atuar como radar de riscos e oportunidades da empresa”, afirma Carina Almeida, presidente da Textual Comunicação. “A inteligência artificial permite traçar cartografias do pulso das opiniões públicas”.
A quantidade de dados armazenada no mundo cresce exponencialmente. Até 2020, teremos disponíveis 44 zettabytes (sextilhões de bytes). Isso equivale a dez vezes o que havia em 2013. A análise de dados, que começou a ser empregada timidamente no monitoramento de redes sociais, é ferramenta cada vez mais importante na comunicação corporativa. Quando aplicada a um volume muito grande de informações, passa a se chamar big data.
O Grupo Ideal desenvolveu uma metodologia chamada Índice de Relevância e Qualidade (IRQ), para medir de forma agregada os resultados de conteúdo proprietário, relações públicas e redes sociais. “A mensuração e análise de dados é importante tanto para apresentar os resultados para o cliente quanto para apoiar o planejamento”, explica Vitor Vieira, gerente geral da RDI, empresa que, assim como a Ideal, pertence ao grupo WPP.
Combinar informações dos mundos online e off-line ainda não é tarefa trivial. A Trocafone é uma startup que compra celulares e tablets usados, faz os reparos necessários e os revende com garantia. Ela foi selecionada para o Laboratório Global de Empreendedorismo (G-Lab), do MIT Sloan School of Management, do Massachusetts Institute of Technology.
Estudantes de MBA do MIT Sloan desenvolveram com a empresa uma metodologia para medir o retorno em vendas do investimento em campanhas off-line. “Vínhamos trabalhando somente com campanhas online, em que conseguimos medir o retorno”, explica Guille Freire, CEO da Trocafone.
A metodologia prevê o teste de mídias tradicionais, como rádio e televisão, em campanhas de duas semanas, para coletar dados e incorporá-los num modelo. A Trocafone prevê comprar e vender 500 mil aparelhos neste ano, o que representa um crescimento de 50% sobre o ano passado. Para alcançar esse volume, sentiu necessidade de fazer campanha em mídias tradicionais.
Juan Carlos Gozzer, diretor regional de inovação para a América do Sul da Llorente & Cuenca, afirma que a análise de dados é importante para identificar territórios e comunidades. “Da prática comum de mapear influenciadores, passamos à análise de territórios de conversação para identificar comunidades de pessoas, de influenciadores locais”, diz. “Mas não só isso, a análise de dados nos permite construir indicadores de reputação eficientes e de impacto”.
As ferramentas de análise de dados permitem que o comunicador trabalhe cada vez mais próximo das unidades de negócio. Nelson Silveira, diretor de Comunicação e Marca da GM Mercosul, destaca a importância da análise de dados no monitoramento de redes sociais. “O monitoramento é essencial para antecipação e resolução de crises”, afirma.
A realidade virtual é uma tecnologia que está para acontecer desde o final da década de 1980. Desde então, ganhou espaço em aplicações corporativas, para demonstrar produtos que ainda estão na fase de projeto, mas a adoção massiva por consumidores não aconteceu. Recentemente, começamos a viver uma nova onda da tecnologia, que parece começar a encontrar seu lugar. A consultoria Deloitte chamou a realidade virtual de um nicho de US$ 1 bilhão.
Uma aplicação óbvia é o entretenimento. “As possibilidades da realidade virtual são infinitas”, afirma Fernando Flores, CEO da Midiática, parceira da Press à Porter em projetos com a tecnologia. “É possível ver uma luta de MMA (artes marciais mistas) à beira do octógono com os óculos. Acredito que os grandes eventos esportivos vão ser assistidos com realidade virtual”.
Mas as aplicações vão além do entretenimento. Claudia Reis, diretora geral da Press à Porter, explica como a tecnologia pode ser usada no varejo. “Como a locação é cara, as lojas físicas podem ser menores, com menos itens em estoque e os clientes podem ver uma seleção maior de produtos com os óculos de realidade virtual”, exemplifica.
Eduardo Vieira, da Ideal, cita a solução desenvolvida para o laboratório Hermes Pardini pela Ogilvy, também do grupo WPP. “Na hora da vacina, a criança coloca os óculos e percebe a experiência como um game”, explica. No VR Vacina, a personagem virtual coloca um “poder especial” no braço da criança durante a picada, evitando o estresse causado pelo medo de agulhas.
Anualmente, o Gartner publica um “ciclo do hype” de tecnologias emergentes. Segundo a consultoria, cada tecnologia pode estar em uma de cinco fases: gatilho da inovação (quando surge), pico das expectativas exageradas (quando as pessoas acham que ela vai resolver todos os problemas do mundo), vale da desilusão (quando pensam que ela não serve para nada), subida da iluminação (quando começam a entendê-la) e platô da produtividade (quando ela passa a fazer parte do cotidiano de pessoas e empresas).
Na edição mais recente, o Gartner colocou a realidade virtual na subida da iluminação, enquanto a realidade aumentada está no vale da desilusão. E, realmente, os entrevistados para este texto mostram-se mais entusiasmados com a realidade virtual do que com a aumentada. Existem, no entanto, aplicações que já estão mapeadas. “Uma área muito forte para essa tecnologia é a de treinamentos”, aponta Carina Almeida, da Textual. “É uma ferramenta promissora para o ensino a distância”. Para Nelson Silveira, da GM, a realidade aumentada é uma tecnologia mais para médio e longo prazo.
As redes sociais ganharam importância nos últimos anos. Vivemos, porém, um momento de transição. A crise do Facebook, com o caso Cambridge Analytica, marca essa mudança. A empresa de marketing eleitoral teve acesso ao perfil de 87 milhões de usuários da rede social, com um aplicativo criado por um pesquisador de Cambridge, e usou essas informações na campanha eleitoral de Donald Trump.
Mesmo antes de o escândalo de privacidade estourar, pesquisas mostravam que os jovens têm perdido interesse pelo Facebook. A eMarketer previu, no começo do ano, que 2 milhões de pessoas com menos de 25 anos vão deixar de usar a rede social neste ano. Pela primeira vez, menos da metade dos usuários de internet norte-americanos com idade de 12 a 17 anos vão usar o Facebook pelo menos uma vez por mês.
Os jovens têm trocado o Facebook por aplicativos de imagens como o Instagram (que pertence ao Facebook) e de mensagens. A tendência de crescimento da interface de voz, com a popularização de assistentes digitais como Alexa, Siri e Cortana, deve acelerar ainda mais essa transição. Teclados e telas sensíveis ao toque têm perdido espaço para a linguagem natural na interação entre homens e máquinas. “As novas interfaces representam novos hábitos de uso da tecnologia e também de consumo da informação”, afirma Juan Carlos Gozzer, da Llorente & Cuenca. “É um desafio enorme para as empresas incorporar também novos formatos de narrativas que respondam a estas novas interfaces. E nosso trabalho é estar muito atentos a estas mudanças de hábitos e explorar todas as suas possibilidades”.
Uma amostra da tendência de interface de linguagem natural foi o projeto A Voz da Arte, em que a IBM usou o Watson para dar voz a sete obras da Pinacoteca de São Paulo. O sistema cognitivo respondia em linguagem natural às perguntas dos visitantes sobre as obras que estavam vendo, num projeto da Ogilvy.
No ano passado, a Volkswagen lançou um manual cognitivo para seu carro Virtus. O cliente baixa um aplicativo e pode fazer perguntas em linguagem natural, por voz ou por escrito, sobre informações que estão no manual impresso do veículo. “O consumidor consegue conversar com o sistema”, diz André Senador, diretor de Assuntos Corporativos e Relações com a Imprensa da Volkswagen do Brasil.
A montadora promove uma série de workshops de mídias digitais para jornalistas, com representantes de empresas como Google, Facebook e Amazon, e esses encontros tiveram impacto nas atividades de comunicação interna, incentivando a inovação.
Senador citou dois instrumentos de comunicação interna que foram lançados recentemente. Um deles é um aplicativo para resolver questões de recursos humanos. Outro são painéis digitais nas fábricas. Cada painel é formado por televisores. Um deles traz informações sobre a corporação, outro sobre a fábrica e o terceiro sobre a unidade específica em que está instalado, como pintura da unidade de Anchieta, por exemplo. “As informações já estavam disponíveis em outras plataformas, como newsletters, mas eram pouco acessadas pelos que trabalham na fábrica”, explica Senador.
O vídeo tem se tornado cada vez mais forte na comunicação corporativa. “Ele está ficando personalizado e interativo”, aponta Angélica Consiglio, da Planin. “Já é possível personalizar o vídeo para cada um dos nomes do mailing”.
O mundo vive hoje a quarta revolução industrial, marcada por tecnologias que incluem inteligência artificial, big data e internet das coisas. A primeira revolução foi marcada pela máquina a vapor, a segunda pela eletricidade e terceira pelo surgimento dos robôs industriais. A Indústria 4.0 adiciona inteligência à automação da revolução anterior, permitindo maior eficiência e personalização. Na expressão Indústria 4.0, a palavra indústria tem o sentido mais amplo do inglês industry, setor econômico, não estando se restringindo à manufatura.
E a comunicação corporativa faz parte desse movimento. Além da adoção das ferramentas tecnológicas, o cenário de mudanças traz o desafio de formar equipes. “Ter um time multidisciplinar hoje é fundamental”, afirma Sandro Rego, diretor executivo da FleishmanHillard Brasil. “Temos publicitários, engenheiros, administradores e designers”.
Claudia Reis, da Press à Porter, concorda. “Vivemos uma mudança no quadro de profissionais. Antes predominavam jornalistas e relações públicas nas agências. Hoje precisamos de perfis com multiespecialidades. É muito difícil, por exemplo, contratar profissionais que entendam de pesquisa e comunicação”.
O ritmo acelerado de mudanças, presente na tecnologia da informação, espalhou-se para todos os setores. E a única certeza para os próximos anos é a de que tudo vai mudar.
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