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NARRATIVA SOB MEDIDA

A arte da escuta será cada vez mais imprescindível no estabelecimento da comunicação com consumidores finais, fornecedores, colaboradores, investidores, sociedade civil, comunidades e governos

Não há dúvidas de que as novas tecnologias invadiram as relações sociais e profissionais. Tanto é que a comunicação precisa saciar os desejos de públicos sedentos por informações curtas e rápidas, notícias em pílulas recebidas via e-mail por newsletter, posts em redes sociais ou mesmo mensagens de WhatsApp. Se hoje a celeridade dita o ritmo das narrativas, como será daqui a algumas décadas, quando robôs tendem a ganhar espaço, quiçá voz ativa na sociedade? Parece um cenário digno de ficção científica, ao bom estilo “Black Mirror” (série produzida pela Netflix), mas esse futuro não está distante. Muito pelo contrário: sua proximidade já é observada e estudada de perto por acadêmicos, grandes companhias, agências de comunicação e de publicidade.

Afinal, quais serão os principais stakeholders, ou públicos de relacionamento, lá na frente? Ou seria bem aqui à frente, tamanha a velocidade das transformações? Como numa caça ao tesouro, foi dada a largada para encontrar respostas a essa pergunta. É consenso de que não há um caminho único, tampouco uma rota com todas as coordenadas. O que existem, ainda que de forma embaçada, são placas sinalizando possíveis trajetos. Essa incerteza talvez seja um dos aspectos mais saborosos do pensar e produzir narrativas, pontua Guilherme Sierra, gerente de comunicação corporativa para América Latina, da John Deere. “Os jovens, incluindo o público interno das empresas, vão dando dicas de como querem consumir informações. Antecipar leituras, provavelmente, é a parte mais complicada e gostosa da comunicação corporativa. As empresas estão tendo que se adaptar.”

Antes mediado pela grande mídia, agora são os softwares que ditam essa mediação, avalia Luli Radfahrer, professor associado de comunicação digital da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Para ele, público é e sempre foi um só, ou seja, o desenho de público não sofreu alterações ao longo do tempo. O que mudou foram as ferramentas que ajudam a atingir cada público. “Como diria Milton Nascimento, ‘todo artista tem de ir aonde o povo está’. Antigamente, se anunciava na [revista] ‘Veja’ e hoje, é possível usar o Facebook para atingir todo mundo. Provavelmente, vamos ter uma personalização cada vez mais forte de produtos, produtos sob encomenda, muito mais marcas do que existiam antes. E a propaganda vai se misturando com o próprio produto”, diz. A tendência, na visão do professor, é que a comunicação volte a ser “submissa” ao produto, como era até o começo do século XX. Ele dá como exemplo um dos anúncios históricos da publicidade brasileira: “Se é Bayer, é bom”.

Um dos principais desafios, dizem os especialistas, é travar um diálogo diferenciado e customizado, conforme cada público. Isso porque o excesso de informações tende a ficar mais acentuado ao longo dos anos, como uma espécie de caldeirão que não para de encher. Nesse sentido, a arte da escuta – por vezes, tão ignorada na comunicação – será uma forte aliada no processo de geração de narrativas. Desde já, antes que seja tarde, torna-se condição fundamental ouvir, tête-à-tête (sim, um a um, à moda antiga), os diferentes públicos: consumidores finais, fornecedores, colaboradores, investidores, sociedade civil, comunidades, governos e outros que poderão ganhar relevância ainda não sabida. “O segredo vai ser conseguir se comunicar com todos os públicos de interesse, eliminando os ruídos e interferências entre as informações transmitidas para cada um deles. Isso significa trabalhar a comunicação com o todo e, ao mesmo tempo, de forma direta e customizada”, analisam Umberto Miele e Marci Ducat, sócios-diretores da Página 1 Comunicação.

Renata Nascimento, head de comunicação da Scania no Brasil, levanta outra questão: quem é o público das empresas atualmente? Para ela, com a digitalização, todo mundo passou a ser público das companhias. “Deixou de ser uma pergunta fácil e funcionalista: qual o meu público-alvo”, enfatiza. Exemplo disso é alguém presenciar um acontecimento que envolva determinada marca, filmar a cena e publicá-la em alguma (ou mais de uma) rede social. Mesmo que não seja cliente daquela empresa, o indivíduo passa a ter um “contato” com a marca. Mais do que isso: gera uma exposição instantânea à companhia, para o bem ou para o mal. É sobre isso que Renata reflete: o diálogo precisa ser aberto com todo mundo, e não apenas com os clientes dos produtos ou serviços.

Essa conversa entre empresas e stakeholders tende a ficar mais individualizada, próxima e direta. Trata-se de o ser humano se reconhecer na narrativa, observa Renata. E isso já ocorre hoje em dia. “Ao mesmo tempo em que temos tantas tecnologias e estamos acostumados com interfaces, existe uma carência afetiva e emocional. Paradoxalmente, a tecnologia está abrindo caminho para que as narrativas sejam mais humanas, e as marcas devem partir para isso”, diz. Ao interagir com um cliente que tem uma história com a marca, por exemplo, uma pessoa pode ser mais atraída a consumir o produto ou serviço. Por meio desse “link emocional”, as empresas podem captar mais facilmente a atenção de futuros clientes. “Estamos vivendo uma era em que as pessoas se questionam cada vez mais se o conteúdo é legítimo. No futuro, a comparação entre o discurso e o que as empresas têm feito efetivamente será ainda mais presente.”

O engajamento do público interno e de toda a cadeia de fornecedores e parceiros é de suma importância, e isso só pode ser feito por meio de uma comunicação aberta e fluida. Importante assumir, daqui em diante, que o novo consumidor não é mais o tão apregoado público-alvo, diz Margarida Kunsch, professora titular da ECA/USP. “Ele quer ser respeitado e considerado como único, com suas preferências, opções de vida, convicções ideológicas e políticas. Daí a incorporação do conceito de ‘persona’ defendido e praticado pelo marketing digital para obter eficácia com as suas mensagens junto ao consumidor.”

Ao mesmo tempo em que o diálogo ganha contornos personalizados, a linguagem precisa estar alinhada entre todas as áreas de comunicação das companhias, defende Sierra, da John Deere. “Hoje, os públicos são diversos, porém cada vez mais integrados. Se a linguagem não estiver alinhada, corre-se o risco de perder credibilidade”, aponta. Em suma, o segredo – e, claro, um desafio e tanto – é transmitir as mensagens corretas para os públicos corretos. Isso porque cada público tem sua particularidade, mas de nada adianta comunicar algo aos clientes, sem que isso reverbere aos funcionários, por exemplo. Segundo ele, há uma ânsia dos diferentes públicos por credibilidade. Afinal, será que determinadas companhias são confiáveis? O que elas fazem em prol da sociedade efetivamente? Quais são suas políticas de sustentabilidade, mas na prática? Essas e outras questões rondam a cabeça das pessoas a todo o momento.

Para conquistar seus públicos, a empresa deve ter uma preocupação cada vez maior com a responsabilidade social e ambiental, percebe Martha Becker, diretora-executiva da agência gaúcha Martha Becker Comunicação Corporativa. “Cada vez mais as crianças de hoje estão interagindo e criticando marcas que não têm tais preocupações. O consumidor vai se destacar, ser a estrela nessa relação toda, sendo cada vez mais ouvido e interagindo nessa relação e até sugerindo produtos e serviços no business das empresas.”

As pessoas querem um propósito para as marcas. Ou seja, não adianta uma empresa querer ser reconhecida pela sociedade se não participa da sociedade, destaca Sierra, da John Deere. E propósito vai além de transmitir confiança aos consumidores. A época em que as companhias depositavam todas as suas fichas de comunicação com o objetivo de fisgar os clientes ficou para trás. O movimento é de distribuição das fichas entre os públicos diversos, incluindo colaboradores, fornecedores, investidores e comunidades. A começar pelo público interno. “Cada funcionário dissemina o que a empresa fala e, para isso, a pessoa precisa confiar no propósito da companhia. Por isso, a comunicação corporativa tem de ser integrada.”

Com o passar dos anos, a tendência é que a distância entre discurso e prática fique cada vez mais curta, como reflexo de um consumidor mais atento, crítico e exigente. Aumentará a possibilidade de cruzar informações para descobrir se existe algo de errado na informação propagada pelas empresas. Para Renata, da Scania, não há mais espaço para oportunismo. “É preciso cumprir o propósito, estar alinhado com os valores dos públicos prioritários e de toda a sociedade”, afirma. Ela concorda com Sierra: o discurso de posicionamento da marca precisa ser o mesmo para todos os públicos e, claro, construído com coerência.

Como o futuro está logo ali, Renata lembra que muitas marcas já têm despertado para essa realidade. Os efeitos de não colocar em prática vêm em cascata: ao deixar de entregar produtos ou serviços com o propósito prometido, a imagem da empresa fica abalada e, por consequência, o faturamento tende a cair. Sem vendas, não há resultado, o que realmente interessa aos acionistas. A lógica é simplista, mas ajuda a exemplificar como uma empresa pode passar de uma situação confortável para um cenário tenebroso em questão de minutos – ou mesmo, segundos.

A enxurrada de informações traz preocupação à sociedade, segundo os especialistas. Os stakeholders podem confiar em quem nesse emaranhado de dados e notícias? “A comunicação do futuro vai ser a valorização de algo que tínhamos esquecido: a volta do endosso, da reputação das fontes de informação”, avalia William Malfatti, diretor de Comunicação, Relações Institucionais e Relacionamento com Clientes do Grupo Fleury. Para ele, ainda que o formato ou ferramenta não possam ser previstos, os canais de comunicação com mais credibilidade vão exercer papel de curadoria das informações. Não só isso: os funcionários serão o grande “endosso das marcas”.

Para atingir cada público de relacionamento, é preciso conhecer o perfil dos stakeholders. Até aí nada de novo. O desafio daqui para frente é entender a jornada das “personas”, desenhadas a partir de uma combinação entre perfil e comportamento de determinado indivíduo. “Quando alguém quer comprar um produto, por exemplo, mas não o encontra, rapidamente pode optar por outro. Esse tipo de resposta imediata acaba exigindo uma mudança de comunicação na velocidade em que o comportamento muda”, explica Sílvia Balzan, diretora da ADS. Nesse sentido, as empresas precisam fazer cada vez mais leitura e análise de dados antes das tomadas de decisões. Na avaliação de Sílvia, a rapidez na análise de dados e também de conversas em redes sociais é a chave do sucesso. Para isso, é necessário ter profissionais capacitados para interpretar as informações capturadas no conjunto de dados.

Há de se ter também flexibilidade para comunicar-se com públicos de gerações tão distintas. De um lado, o rápido envelhecimento da população brasileira: em 2050, os idosos serão 41,5 milhões (18% do total da população), enquanto as crianças corresponderão a 39,2 milhões (17,6%), segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Do outro, a ânsia do público mais jovem por novidades. Daqui a algumas décadas, diferentes gerações (incluindo geração X, millennials e geração Z) formarão a camada idosa da população e, em paralelo, outras gerações estarão desabrochando. “Acho que vamos ter de ser meio camaleão. Hoje, é o WhatsApp, amanhã pode ser um chip... As mudanças serão cada vez mais rápidas, e o intervalo de tempo entre gerações vai ficar ainda menor, tamanha a modificação de linguagem e ferramentas”, diz Renata, da Scania. Ser flexível e sensível para perceber as sutis diferenças, segundo ela, ajudará a navegar nessas ondas que confluem gerações diversas.

“A dificuldade maior com os públicos mais velhos acontece agora, porque estamos vivenciando uma crise, — repito que vivemos neste momento — a questão de que uma nova ordem ainda não foi instaurada, mas a antiga não vigora mais”, reflete Renato Souza, diretor de comunicação e marca da Deloitte. As gerações mais velhas, que nasceram no meio analógico, ainda têm barreiras com o digital em toda a sua complexidade. “Ainda que estejam totalmente incluídas nesse universo, carregam um sotaque. Em 50 anos, as gerações mais velhas já estarão imersas totalmente no meio digital”, defende.

O uso de ferramentas tecnológicas para detectar e, principalmente, entender os desejos e as necessidades dos diversos públicos dá pistas do que o futuro reserva. Esta conquista já faz parte da estratégia de grandes corporações, na maioria, e começa a entrar na rotina em operações menores. “Se pararmos para pensar nas estratégias de comunicação das empresas atualmente, não se considera como o algoritmo das mídias sociais vai agir diante de algum conteúdo? Se eu vou conquistar mais ou menos público?”, questiona Souza, da Deloitte.

Na sua avaliação, no fundo, já estamos pensando num mecanismo que não é o veículo, não é quem recebe a informação, mas que trabalha com ela e tem uma função decisiva sobre como quem está lá na ponta do processo e vai receber a informação. “Então, o mundo que considera as máquinas como um público de relacionamento já começou. Não adianta brigarmos com essa realidade, ela já está estabelecida.”

É nessa conjuntura tão repleta de nuances novas, avalia Margarida, da USP, que o gestor de comunicação terá que conhecer o ecossistema midiático para planejar suas estratégias de comunicação na contemporaneidade digital. “Ele está diante de uma nova ordem geopolítica, de um mercado dinâmico, aberto e competitivo, com uma nova tecnologia e, sobretudo, de uma nova organização centrada em redes, na informação em big data que viabiliza e abastece a comunicação com todo o universo de públicos das organizações.”

A nova ordem, a que se refere a professora da ECA, ainda é território em parte desconhecido. Falta calibragem, equilíbrio no uso dos recursos artificiais, e é isso que as empresas de comunicação tenderão a buscar. “Muitas empresas utilizam o chatbot [programa de computador que tenta simular um ser humano para o relacionamento com os consumidores], mas as pessoas já mostram que não querem falar com uma máquina. Elas esperam, ao contrário, um atendimento cada vez mais personalizado”, observa Alexandre Macedo, sócio fundador da agência carioca Info 4. Usar o chatbot como complementação do atendimento seria um meio termo interessante, diz ele.

Para Fred Lúcio, professor do curso de Propaganda e Marketing na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a reflexão sobre o futuro da comunicação passa obrigatoriamente pela indústria 4.0, a quarta revolução industrial, cuja essência é a Internet das Coisas, em que máquinas e processos se comunicam de ponta a ponta. “Ela no fundo é a união do meio físico com o digital, impactando a operação das organizações, traçando estratégias e atingindo as relações humanas. À medida que ela impacta tudo isso, evidentemente tem também influência direta no modo de se comunicar das empresas com os seus diversos públicos de interesse”, analisa. Então, a indústria 4.0 traz uma dinâmica completamente diferente para as relações de comunicação com seus respectivos públicos.

Essa dinâmica se reflete, explica o professor da ESPM, primeiramente nessa conexão entre físico e digital [veja quadro “Varejo hiperconectado”]. O conceito do consumidor Phygital, que está nos dois ambientes, utiliza canais quase que simultaneamente, ou em uma sequência no processo da compra. “Da mesma forma, todas as relações de empresas com seus consumidores vão para esse caminho, para o caminho do phygital, dessa integração completa entre os meios físico e digital. Isso transforma absolutamente tudo, a maneira como se estabelece a relação das empresas, sobretudo de comunicação empresarial.”

Por mais que as tecnologias mudem, e no futuro possivelmente tenhamos robôs interagindo com seres humanos, o que permanece é a mensagem assertiva e adequada a cada público, defendem Marci Ducat e Umberto Miele, da Página 1. “Mas o principal é que a comunicação tenha coesão e coerência”, dizem. Para Renata, da Scania, tudo passa pela conversa e pelo conteúdo. “Seja qual for a geração, os profissionais de comunicação precisam se dedicar a produzir narrativas que façam diferença e que reflitam os anseios das pessoas”. Em pesquisas, a ADS ouviu os desejos das gerações mais novas e notou que os jovens querem conteúdo em novas plataformas, mas conteúdo que tenha valor e promova diversidade, em todos os sentidos. “Para entender a geração mais nova na própria agência, fazemos uma vez por semana uma sessão de troca de ideias e informações, chamada TamoJunto. Nesse momento, desligam-se computadores, inclusive”, conta Sílvia.

Na visão de Sierra, da John Deere, o caminho das pedras é ter a capacidade de ser ágil, ouvir esses públicos e como eles querem consumir a informação. “Não importa a plataforma em que vai consumir a história (via celular, comunicados internos, jornal), o público precisa ter a confiança. Nesse sentido, conteúdo com propósito é fundamental”, observa. Além disso, ele lembra que é essencial ouvir quem está saindo da faculdade neste momento. Não à toa a John Deere mantém um contato frequente com universidades de ponta que oferecem cursos no agronegócio.

Acostumado com uma base heterogênea de clientes (do varejo pessoa física às grandes corporações), o setor bancário tem um enorme desafio pela frente: como dialogar com consumidores tão distintos, pessoas de todas as idades e classes sociais e com hábitos de consumo diversos, desde quem prefere agências físicas até correntistas 100% digitais? “É preciso falar a mesma coisa, ser um só banco, o tom da comunicação precisa ser igual. Isso não quer dizer que não exista uma oferta diferente para cada tipo de cliente, até porque são 22 milhões de clientes ativos. O maior desafio é reunir esses públicos”, analisa Igor Puga, diretor de marketing e marca do Santander Brasil.

O executivo diz que é difícil traçar prognósticos para além de três anos. As transformações são muito rápidas. No caso do setor financeiro, ainda está em curso uma revolução tecnológica, com expectativa de que metade das transações seja automatizada no futuro. Aliado às inovações, há a construção de um novo perfil de consumidor bancário no Brasil. Cada vez mais, o brasileiro vai ter vínculo com mais de uma instituição financeira, ou seja, um banco para a conta corrente, outra corretora para realizar investimentos, uma seguradora para contratar seguros e planos de previdência. “O ecossistema mudou. Trata-se de uma pulverização do modelo, em que as pessoas vão procurar o melhor serviço em diferentes instituições”, afirma Puga.

O formato da Netflix, cuja programação é baseada nos interesses de cada indivíduo, tende a ditar a segmentação dos clientes, segundo ele. Por isso, o cardápio será construído conforme as necessidades dos consumidores. “É preciso pensar nas características de cada pessoa, e não colocar os produtos e serviços em caixinhas conforme faixa etária, gênero etc.”, opina.

Na visão de Alan Cativo, sócio-diretor da agência Temple Comunicação, de Belém (PA), a expansão e o aprofundamento do uso de tecnologias no campo da comunicação e das relações sociais alteraram definitivamente o horizonte para o profissional de comunicação. “De forma positiva. Há muitas fontes de dados disponíveis para mensurar, avaliar e, assim, planejar de forma mais assertiva, baseada em dados e não apenas em instinto.”

Como benefício dessas fontes, principalmente nas redes sociais, Cativo destaca a prontidão de dados em tempo real. “O resultado disso é que o planejamento de narrativas precisa prever a capacidade de adaptação. Porque, em algum momento, uma parte dessas narrativas será escrita de forma colaborativa, junto com o público de relacionamento. Se no passado pensávamos em mensagem-chave, hoje devemos pensar em diálogos-chave.”

Nessa direção, Macedo, da Info 4, aposta no fortalecimento do desenvolvimento de softwares e ferramentas cada vez mais capazes de reunir informações sobre os clientes, como as de Customer Relationship Management (CRM), ou Gestão de Relacionamento com o Cliente. “Fica cada vez mais possível e necessário para a competitividade das organizações praticar o marketing de relacionamento”, pontua.

Malfatti, do Grupo Fleury, avalia que o mundo não é mais binário em nada. Justamente por isso, as corporações devem se preparar para se comunicar com os diferentes públicos de relacionamento, segundo os hábitos e as atitudes de cada indivíduo. “Temos uma assimetria geracional eterna na empresa, pois atendemos pessoas de 0 a 120 anos. Vai continuar sendo o mesmo desafio: vamos precisar ter um gradiente de canais. Por exemplo, jovens que querem ler jornais e idosos acima de 70 anos que adoram internet”, pontua. Em resumo, a questão é comportamental, e não dá para delinear um corte geracional, na opinião dele. Diante disso, fica a pergunta: como conquistar a atenção das pessoas durante a jornada do dia delas? “Antes de qualquer coisa, somos uma empresa de conhecimento. Para evitar desperdício do sistema de saúde, precisamos usar esse conhecimento.”

Ele cita a abordagem que tem sido realizada pelo Fleury com o corpo clínico de cerca de dois mil médicos, entre eles, profissionais com bastante relevância no mercado e alguns formadores de opinião. Regularmente, a companhia coleta o que está sendo discutido em cada especialidade médica e compartilha as informações com os profissionais. “Acaba sendo uma comunicação mais direta. E o próprio médico, ao ser requisitado para conferências e palestras, pode ser multiplicador desse conhecimento”, conta.

A comunicação sob medida é um caminho sem volta, e esse contexto envolve uma forte atuação tanto das empresas quanto das agências. Com um conjunto de dados em mãos, parte-se para a construção de narrativas conforme o perfil e as necessidades de cada público. “Quando se consegue entender aquele perfil de consumidor e sua trajetória, fica mais fácil entregar o que ele quer consumir. Vai haver uma seleção mais natural por parte das pessoas, com base no que elas desejam e acreditam”, destaca Cléia Barros, vice-presidente de comunicação da Dezoito. Radfahrer, da USP, acredita que as agências de comunicação vão ser parecidas com escritórios de arquitetura ou alfaiatarias, por exemplo. Ou seja, uma construção personalizada. “Não haverá espaço para amadores. Por isso, o profissional precisa de uma formação técnica muito boa”, enfatiza o professor.

O consumidor do futuro terá mais controle das operações. E já começa a ter, com sua voz se impondo nas redes sociais. Esse espaço que até ontem não existia, vai mudar definitivamente as relações. “As corporações trabalharão cada vez mais em parceria com seus clientes, e não apenas para os clientes”, pontua Martha Becker. Isso faz toda a diferença.

Com a interação de consumidor e empresas, as vendas devem oferecer experiências únicas para cada cliente. “Cada vez mais as empresas vão conhecer seus clientes e seus consumidores, pois terão ferramentas estratégicas para ter dados sobre cada consumidor”. Em outras palavras, dizem os especialistas, será questão de sobrevivência entender que cada cliente é único e que as necessidades de um podem ser diferentes das de outro. Isso ajudará as empresas a serem competitivas em um cenário de alta concorrência, “comoditização” de produtos e serviços e público cada vez mais informado e exigente.

Nesse cenário que vai sendo construído desde agora, os comunicadores são unânimes: não haverá um rei dos stakeholders, como até aqui foi a mídia. “Permita-me o humor: não há mais espaço para monarquias. A revolução está em andamento. O poder está partilhado. Ao invés de falar em reinados, na Temple costumamos chamar de protagonistas. Nossas equipes se organizam em torno de cenários, que reúnem profissionais de comunicação, PR, RI, comunidades, sustentabilidade. Cada cenário tem seus stakeholders, seus protagonistas. Da mesma forma, cada cenário tem seu monitoramento, seu social listening”, descreve Cativo. Em última instância, cada cenário tem a sua narrativa. A professora Margarida concorda com Cativo: não será mais um determinado segmento de público estratégico o rei dos stakeholders, e sim a sociedade. “E é a agenda da sociedade que pautará as mensagens e induzirá as atitudes comportamentais das organizações e dos públicos”.

Não existe fórmula mágica. O que existe são muitas possibilidades que devem ser exploradas com inteligência para realizar a comunicação com os diversos públicos. E aí a credibilidade, aposta Renato Souza, da Deloitte, se torna o ponto-chave. “Posso utilizar todas as plataformas, ter conteúdos para explorar cinco vezes por dia, o ano todo. Posso ter uma potência de divulgação tempo integral, expondo os meus conteúdos para os meus públicos de interesse. Mas, se por trás disso não houver um compromisso com a qualidade do que for apresentado, as empresas perdem a oportunidade mais duradoura, mais efetiva e mais crível com seus stakeholders”, ressalta.

Para o professor Radfahrer, a comunicação será mais tecnológica, personalizada, imersiva e provavelmente mais conectada. E provoca durante a entrevista: qual meio possui essas características? Ao que emenda com a resposta: videogame. “O videogame, meio de comunicação ligado a uma inteligência de máquina, é quase que um continente não descoberto. A maior parte dos profissionais de comunicação ignora o que está acontecendo dentro de um Xbox e um Playstation, sendo que é uma gigantesca forma de comunicação, que trava o individuo no sofá por horas”, explica. O futuro do relacionamento com públicos, diz o professor, tem tudo a ver com reconhecer as oportunidades no mundo dos videogames. Como fazer isso? Só o tempo dirá. Claro que é apenas uma das inúmeras possibilidades.

 

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