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O Trem das Evidências, 20 anos depois

Mudança cultural e capacidade de comunicação ainda estão entre os principais desafios de transformação das empresas para se adaptar ao mercado conectado

Divulgação

Gerson Penha: não há conexão com os públicos e o mercado sem comunicação verdadeira

“Povo da Terra, uma poderosa conversação global começou”, anunciava há 20 anos o parágrafo de abertura do texto que se tornaria imediatamente uma das mais agudas, provocativas e bem-humoradas referências do marketing contemporâneo. Lançando em março de 1999, o Manifesto Cluetrain (“Trem das Evidências”), escrito por Rick Levine, Christopher Locke, Doc Searls e David Weinberger, é um conjunto de 95 teses (o mesmo número usado por Martinho Lutero para anunciar a reforma protestante) que analisam a relação das empresas com os mercados, os consumidores e seus públicos na era da internet.

Nesse novo mundo onde os “hiperlinks subvertem a hierarquia”, a internet possibilita “conversas entre seres humanos” que não eram possíveis no estágio da comunicação de massa. Como resultado, os mercados “estão ficando mais espertos e mais organizados”.  “Mercados em rede estão começando a se auto-organizar mais rapidamente do que as empresas que tradicionalmente os serviram. Graças à web, os mercados estão se tornando mais bem informados, mais inteligentes e mais exigentes de qualidades que faltam à maioria das empresas.”

Vinte anos depois, a primeira constatação que emerge da leitura do Manifesto Cluetrain é a de que o entusiasmo dos autores em relação às possibilidades da comunicação em rede parece hoje otimista demais diante de fenômenos recentes como a invasão de privacidade, as fake news e as expressões de ódio na web. Controle e manipulação nunca fizeram parte da promessa da internet e não estavam nos trilhos do Cluetrain 20 anos atrás. Também ainda não evoluímos como consumidores a ponto de nos tornarmos “imunes à propaganda”, como previa a tese de número 74.

Mas o Manifesto continua atualíssimo no que tem de essencial, isto é, na expressão da exigência de que as empresas e organizações se adaptem à nova realidade da rede, condição básica de sobrevivência e prosperidade. Os processos de transformação digital e de incentivo à capacidade de inovação, em curso hoje em muitas empresas, são parte desse esforço obrigatório de adaptação.

E por que tantas vezes esses esforços, que exigem empenho e investimento consideráveis, produzem resultados aquém das expectativas? Aqui também o Cluetrain vai direto ao ponto. “As empresas precisam descer das suas Torres de Marfim e falar com as pessoas com quem esperam estabelecer relacionamentos”, diz a tese 25. “A administração baseada em comando e controle só reforça a burocracia e a cultura geral de paranoia. A paranoia mata a conversação e a falta de abertura à conversação mata as empresas”, completam as teses 51 e 52.

Em resumo: não há transformação sem mudança cultural, não há conexão com os públicos e o mercado sem comunicação verdadeira, isto é, sem diálogo entre empresas e pessoas. “Mercados são conversações”, a grande lição do Manifesto Cluetrain, continua tão importante hoje como há 20 anos.


 
Autor: 46