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PARA ONDE ESSE MUNDO VAI?

Setor enfrenta desafios que apontam para mudanças no modelo de negócio, na entrega de soluções ao cliente e, principalmente, no perfil profissional  

A pergunta do título era o bordão do senhor que fazia a propaganda do lançamento do Corsa, pelos idos de 1994. Rabugento, ele não se conformava com as “modernidades” do veículo e vociferava contra a palavra design, bradando: devagar com o andor!

Não há nada mais humano do que especular sobre o futuro, imaginar onde estaremos em alguns anos, décadas ou séculos. O exercício de futurologia alimenta a ficção científica, move o pensamento filosófico, coloca em cena os analistas que povoam os programas de TV e rádio e as páginas de jornais e revistas. Muitos dos quais baseados em análise criteriosa dos cenários do presente para projetar as variáveis do futuro. E brotam, é claro, os milhares de profetas do apocalipse.

Tremi nas bases quando Eduardo Ribeiro e Adriana Teixeira, publisher e editora deste Anuário, me convidaram a escrever sobre a agência do futuro, ou o futuro das agências. E me pus a pensar qual seria a melhor abordagem para esse desafio, sem cair em um exercício de fantasia, imaginando os Jetsons e seus contemporâneos a trabalhar cercados de robôs com aspecto humanoide. E também sem projetar um futuro digno de Blade Runner, vislumbrando um cenário de terra arrasada.

Mas não foi por um acaso que lembrei da propaganda do Corsa. Há 24 anos, quando a campanha foi ao ar, havia um mundo de incertezas na economia e na política do País. O Plano Real engatinhava, nossos carros eram uma “carroça”, a hiperinflação, uma pesada sombra que pairava sobre todos os brasileiros. De outro lado, havia a sensação de que um novo período da vida nacional se iniciava com os esforços de estabilização da moeda e a perspectiva de uma campanha eleitoral que parecia estar destinada a debater os grandes temas da nação, embora figuras como Enéas tivessem seus minutos de fama.

Por outro lado, havia muitas certezas no mundo da comunicação. A propaganda, como a do Corsa, não precisava se espantar diante da velocidade das transformações, pois tinha seu lugar de honra reservado na distribuição de verbas dos clientes e um enorme poder de influência nas decisões de compras dos consumidores de então. Sem contar o marketing político, que nadava de braçada nas milionárias campanhas eleitorais. Em nosso mundo, o que hoje chamamos de comunicação corporativa, o serviço de assessoria de imprensa era o grande carro-chefe e as empresas daqueles tempos cresciam facilmente na casa dos dois dígitos, por muitas vezes dobrando de tamanho em um ano. O celular, com a incrível e única função de telefone móvel, o aparelho de fax e o computador com processador de textos e ferramentas eletrônicas de diagramação pareciam ser o conjunto mais sensacional de inovações tecnológicas à disposição do mundo da comunicação.

Olhando o cenário de hoje, penso que tive sorte de não ter escrito sobre as agências do futuro em 1994. Certamente não daria uma dentro. Vinte e quatro anos depois, a hiperinflação é apenas uma triste memória do passado. A economia vive seus altos e baixos e a política, bem, melhor não falar disso. Já a comunicação, podemos dizer, está revirada do avesso, de cabeça para baixo, navegando em um mar de incertezas.

Para um habitante de 1994, que pudesse dar um pulo no tempo, certamente, chegar hoje em uma agência de comunicação seria um choque. Empresas de comunicação corporativa com 700 funcionários? Agências de diversos portes em escritórios modernos, coloridos? Gente tatuada, com brincos, em trajes não muito formais? Tem tudo isso, junto com computadores com incrível memória, softwares e aplicativos inimagináveis há pouquíssimo tempo. Sem contar os smartphones, os fones de ouvido que permitem que a gente trabalhe, escute música em streaming, assista a seriados na hora do almoço, converse com amigos que nunca vimos pessoalmente em qualquer lugar do mundo. Certamente seríamos vistos como uma espécie de Jetsons por esse incauto visitante. A única familiaridade que ele encontraria seria a volta das abomináveis pochetes, marcas daquela época (sim, eu usei pochetes).

Mas seria no campo do modelo de negócios da indústria da comunicação o maior choque desse viajante do tempo. Porque o que se vê, hoje, é uma alta dose de incertezas que assombra todos os segmentos da indústria, com variados graus de impacto, é claro.

O mundo bilionário da publicidade assiste à diminuição sem precedentes do volume de verbas dos clientes. E parte significativa dessas verbas migra para investimentos em impulsionamentos nos gigantes da internet, sem comissionamentos, muitas vezes feito diretamente pelos clientes, sem que a verba passe por agências.

No mundo da chamada mídia tradicional, publicações encolhem ou desaparecem, e audiência se dispersa com incrível velocidade, pulverizada entre os milhares de canais digitais, blogs, whatsapp e afins.

Esse é um cenário de grandes ameaças, incertezas do ponto de vista dos negócios e muitas oportunidades para quem souber se posicionar para entender as demandas dos clientes. Por isso, é importante lembrar que eles, os clientes, também têm doses elevadas de dúvidas, como lembra Beti Sefrin, diretora da Insider 2 Comunicação Corporativa, de Porto Alegre (RS): “Vivemos agora um mundo totalmente mudado e líquido”, citando o filósofo polonês Zygmunt Bauman. “Nada é feito para durar, nem relações, nem produtos. As redes sociais aceleraram o ritmo das relações, começam rápido e terminam logo, sem compromisso ou culpa”.

Ao menos uma certeza pode ser afirmada categoricamente. E é ela que nos moverá. As empresas, governos, ONGs, partidos políticos, artistas, celebridades, associações, sindicatos, movimentos sociais, todos, sem exceção, continuam a depender de comunicação para manter relacionamentos com seus públicos estratégicos. E cabe à indústria da comunicação tomar o controle das transformações necessárias no modelo de negócios para que agências e profissionais continuem a ser essenciais.

Foi pensando em como os historiadores lerão este artigo daqui a 24 anos que resolvi conversar com empresários de comunicação corporativa sobre a agência do futuro, que já está sendo construída no presente. Lancei o desafio aos diretores e diretoras da Abracom (Associação Brasileira das Agências de Comunicação). E consegui algumas pistas, que compartilho com os leitores do Anuário nos próximos parágrafos. Decidi restringir essa conversa a quem está na linha de frente dos desafios da indústria da comunicação e na diretoria da entidade, para ter um critério e um recorte e para ler o mercado sob o ponto de vista de sócios e executivos de agências e oferecer aos leitores do Anuário um panorama do que pensa o setor de comunicação corporativa, representado pela associação do setor.

Os empresários e empresárias com quem conversei não falam de uma agência do futuro, mas de um conjunto de tendências que devem ser levadas em conta para se pensar o futuro da atividade. Vamos a elas?

 

1. Fusões, aquisições, concentração, nicho, agência butique

Uma dessas tendências diz respeito à própria organização do mercado. Nos últimos oito anos diversos negócios movimentaram as agências. Fusões e aquisições, que até então eram raras na área de comunicação corporativa, começaram a acontecer com frequência. Agências independentes passaram a integrar grandes grupos, fusões entre agências médias criaram empresas mais robustas, novas marcas multinacionais chegaram ao Brasil comprando agências locais.

Para os empresários, essa movimentação é só o começo de “um desejo de busca de sinergia dentro dos grandes grupos”, como ressalta Marcio Cavalieri, CEO da RMA Comunicação, e “de redução de custos nas operações globais desses conglomerados”, segundo Zé Schiavoni, CEO da Weber Shandwick no Brasil.

O que parece ser uma tendência ameaçadora para as empresas independentes ou de pequeno e médio porte é visto com um olhar mais amplo pelos empresários do setor. Hugo Godinho, diretor executivo do Grupo In Press, acredita que “sempre haverá espaço para agências especializadas, mais focadas em nichos, que quando fazem um bom trabalho ganham visibilidade e podem flertar com os grupos de comunicação já estabelecidos ou seguir carreira solo. O que é interessante em PR no momento, que acompanha na verdade a indústria de comunicação como um todo, é a variedade de opções de como apostar em crescimento”. E para quem atua em nicho, “o modelo de especialidades está mais forte do que nunca e ganhará relevância”, avalia Claudia Cesaro Zanuso, sócia-diretora da KF Comunicação, agência especializada em comunicação interna. A empresária reconhece, no entanto, que a concentração de grandes grupos, certamente, continuará a acontecer.

Outro foco de preocupação está em mercados regionais fora do eixo Rio/SP/DF. Marcia Guenes, sócia-diretora da Diálogo Comunicação Integrada, empresa do Recife (PE), aponta as ameaças às agências regionais. Segundo ela, “a crise econômica prolongada e a concentração de ações de comunicação das empresas no eixo Sudeste podem reduzir o espaço das agências locais”, fenômeno que se estenderia não apenas a agências localizada em capitais, mas também àquelas situadas em polos regionais de desenvolvimento no interior dos estados.

Um dos movimentos mais recentes do mercado também foi captado nas conversas com os diretores. Yacof Sarkovas, chairman da Edelman, acredita que “existam agências demais no mercado”. E, por isso, a tendência será de concentração não apenas no setor de comunicação corporativa, mas também com a “unificação de operações de publicidade, digital e corporativa em apenas uma empresa”. A projeção de Sarkovas já encontra base na realidade, com a recente fusão de operações no grupo WPP no Brasil, em que agências como a Ogilvy PR deixaram de existir para integrar ações com outros segmentos do grupo dentro de uma única marca, ou com a criação de braços de PR dentro de marcas tradicionais da publicidade, como a recém-criada Youg PR. Mas esse é ainda um movimento tímido, pelo menos por enquanto.

Para Madelon Piana, diretora da consultoria de Minas Gerais que leva seu nome, no meio da disputa pelas melhores posições de mercado, que no seu entender ficará mais polarizada entre os grandes grupos, de um lado, e as chamadas agências boutique, de outro, ficarão espremidas as empresas de médio porte. “A sensação é de que o cerco se fecha para agências de porte médio, que ficam no meio desse caminho - com custos altos e processos engessados, têm um grande desafio para se diferenciar em um mundo mais fluido, mais complexo e com mais agilidade. Precisam se reinventar”.

Fontes que pediram sigilo vão mais além. Há quem aponte para sérias dificuldades que serão enfrentadas por agências que adotaram políticas “suicidas” de preços baixos. “Predam o mercado, operam em níveis financeiros de alto risco e podem se ver obrigadas a fechar as portas nos próximos meses”, afirmou um empresário ao analisar o mercado e afirmar que apesar disso “o momento é muito bom para a comunicação corporativa do ponto de vista da valorização crescente dos nossos serviços dentro dos clientes. O problema está na paralisia da cadeia de valor causada não só pela crise econômica, mas também pelo comportamento de algumas agências e pelas contratações malconduzidas pelos clientes, que se aproveitam desse cenário para rebaixar violentamente os preços”.

A sobrevivência do modelo de negócio, aliás, é uma das preocupações constantes do setor. Quando se fala em concorrências, as queixas são recorrentes quanto aos problemas de falta de transparência, de objetividade e de clareza na demanda de produtos e serviços. Para enfrentar esses problemas, a Abracom lançou a campanha “10 passos para uma concorrência legal”, que pode ser acessada em www.concorrencialegal.org.br. A campanha inclui uma pesquisa permanente sobre a qualidade das concorrências de que as agências participam. Os números da primeira parcial dessa pesquisa estão publicados em anúncio da Abracom neste Anuário e indicam, segundo Claudia Rondon, presidente da RP1 Comunicação e presidente do Conselho Diretivo da Abracom, “a necessidade de um amplo diálogo entre agências, áreas de comunicação, finanças e compras dos clientes e entidades representativas de comunicação, como a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e a Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), para que possamos chegar a um entendimento de que a qualidade da concorrência, a clareza do briefing e a transparência do processo sejam preservadas. Temos grandes desafios conjuntos para valorizar o papel da comunicação nas organizações. Precarizar as relações comerciais é uma estratégia que certamente será ruim para todos os envolvidos”.

 

2. Corporativa, publicidade, digital, promo: quantas fatias tem esse bolo?

Nesse ambiente “bagunçado” da comunicação, ficam no ar várias perguntas ainda carentes de respostas definitivas, se é que existam respostas definitivas em nosso tempo fluído e instável. Mas a turma com quem conversei tem algumas pistas quanto à queda de fronteiras entre as várias disciplinas da comunicação.

É bom lembrar que, em 2008, Ciro Dias Reis, presidente da Imagem Corporativa, então presidente da Abracom, já dizia que “os muros estavam caindo”. E a entidade já alertava seus associados para a premente necessidade de diversificação de serviços.

Nossos empresários acreditam, sim, que as fronteiras, de um modo geral, caíram, mas enxergam a necessidade de entender os problemas de comunicação das organizações de uma forma integrada, sem, no entanto, esquecer que existem, sim, abordagens específicas para cada caso.

Patrícia Ávila, CEO da Burson Marsteller, afirma que “profissionais de PR precisam saber pensar e entender o suficiente de todas as ferramentas e disciplinas, não importa de que áreas sejam, para poder propor estratégias. Mas nem sempre a agência precisa executar tudo. Muitas vezes tem de passar a terceiros, que podem fazer melhor ou com preço mais baixo. O importante é sermos vistos e remunerados pelos clientes como formuladores de estratégias”.

A tendência é de mais fluidez nas relações comerciais, com o velho contrato por fee sendo gradativamente substituído por jobs, sem excluir totalmente o atendimento contínuo, do dia a dia, como explica Hugo Godinho. “O mercado está mais aberto a experimentações, os vínculos com as agências em geral, neste sentido, tornam-se mais frágeis. O PR lida com algo muito caro ao cliente, sua reputação, então historicamente há mais fidelidade na relação. Mas como o desejo por conhecer novas abordagens é mais presente, torna-se ainda mais importante que os casamentos antigos tenham suas doses de sex appel renovadas. Ficar no feijão com arroz é menos suficiente hoje que há tempos atrás. Nesse sentido, vejo como bem-vindo e até desejado o flerte do PR com práticas da publicidade e afins. Eles embalam como ninguém, mas falta por vezes consistência no diálogo, na implementação. Se soubermos extrair o que vale, é um diferencial e tanto. Clientes mais ousados buscam as melhores ideias e escolhem quem vai trabalhar com eles entregando com a consistência que o PR sempre entregou. Mas o PR terá que ser ágil, aberto e hábil”, afirma o diretor-executivo do Grupo In Press.

Se os clientes, como diz Yacoff Sarkovas, “vão pagar por soluções e não por ferramentas”, as agências precisam se preparar não apenas para participar de concorrências esporádicas para uma conta de atendimento contínuo. A agência do futuro, que já se vislumbra no presente, participará de concorrências praticamente diárias dentro dos seus clientes, disputando com digital, publicidade, promo, TI e consultorias a melhor entrega de soluções para os problemas de comunicação das organizações, como pensa Marcio Cavalieri, ao afirmar que migramos para um modelo “cada vez mais parecido com empresa de projetos e consultoria, integrando as disciplinas em torno de soluções para os clientes”.

As agências também precisam se estruturar para saber comprar mídia, adotar soluções hoje mais utilizadas pelo digital e pela publicidade, mostrando aos clientes que têm consistência e pensamento estratégico para entregar resultados palpáveis, mensuráveis e, especialmente, que ajudem o cliente a vender.

Há quem veja a agência de PR no meio de um embate que tem outros dois players importantes, com muita entrada junto aos CEOs das organizações. A agência de publicidade e a empresa de consultoria, talvez os maiores concorrentes da comunicação corporativa hoje. Zé Schiavoni, por exemplo, entende que “PR está entre esses dois pêndulos, da agência de PP e da consultoria. Para nós será mais fácil fazer a ponte com os pêndulos”.

Mesmo vendo a convergência como um “caminho sem volta”, como diz Marcia Guenes, há uma leitura de que a fusão de operações entre publicidade, digital e corporativa não será tão acentuada. Guenes afirma que “as agências, para estarem mais próximas das demandas dos clientes, vão se qualificar cada vez mais para ampliar seu portfólio, até sob o argumento de otimizar os resultados. Mesmo com a convergência, alguns serviços se mantêm firmes, com as abordagens de PR”.

Mas é certo que as agências precisarão de parcerias estratégicas para atender a clientes cada vez mais exigentes, que esperam soluções que combinem criatividade, inovação e segurança, qualidades que para andar juntas precisam de uma abordagem ampla. “As organizações esperam por soluções integradas, principalmente aquelas de médio ou pequeno porte.  Seja por meio de parcerias, de consórcios, de fusões, de verticalização, de processos de aprendizagem, de redes, esses serviços tendem a ser prestados de forma cada vez unificada”, aponta Madelon Piana, mostrando que a agência do futuro tem seus parceiros de vídeo, de redes sociais, de monitoramento, de criação, de design, dentro da lógica colaborativa. “A hora é de desacomodação, de ebulição permanente, nada será igual no dia seguinte, e o papel da comunicação corporativa é levar para o mercado esse desconforto e busca incessante, indicando novos caminhos e soluções”, afirma, em um ótimo resumo, Beti Sefrin, da Insider2 Comunicação.

 

3. Assessoria de imprensa está no fim?

No debate promovido pela Abracom, em 2008, durante o Congresso Brasileiro de Comunicação Corporativa, o tema proposto foi “O fim da assessoria de imprensa”. Caiu o mundo sobre a Abracom, com associados reclamando que estávamos propondo o fim de nossa atividade. Ainda assim, o debate foi um sucesso e, polêmicas à parte, provocou profundas revisões no plano de negócios de associados que perceberam a mensagem.

Em 2017, voltamos à carga, debatendo também no Congresso o tema “Muito além da assessoria de imprensa”. As reações negativas foram poucas. E o que se viu foi uma convergência de pensamentos entre agências e clientes ali representados. Assessoria de imprensa é um serviço que não deixará de existir, terá sua importância, mas passou a ocupar o lugar devido nas estratégias de comunicação corporativa. Imprensa é UM público, não mais O público. E como tal deve ser tratada.

Mas a capacidade de lidar com os conteúdos voltados para a imprensa é um dos caminhos de reinvenção das agências no futuro próximo. É o que diz Marcio Cavalieri, do Grupo RMA, que acredita “muito nas mídias proprietárias, que exigirão cada vez mais conteúdo ‘quente’ e a necessidades de se comunicar com os públicos-alvo, por meio de outras ferramentas, como social mídia, eventos, comunicação interna, investidores e consumidores, entre outros”. Quem vive de produzir conteúdos com profundidade e exatidão está na marca do pênalti para o jogo que interessa aos clientes.

Carina Almeida, CEO da Textual Comunicação, lembra que “a essência da nossa entrega deve mesmo ficar em tudo o que envolva diálogo, com qualquer público, em qualquer plataforma”. E nesse sentido, reforça a ideia de que a diversificação veio para ficar e alinhar definitivamente o mercado brasileiro com as práticas internacionais de PR.

É preciso, no entanto, evitar a demonização da imprensa, como alerta Hugo Godinho, ao afirmar que “as agências já estão menos dependentes de assessoria, mas não naquele sentido reducionista que associa essa menor dependência a um esgotamento da imprensa. Veículos jornalísticos são menos numerosos, mas continuam sendo ambientes ‘premium’ para construção de imagem. Não são mais, felizmente, a única opção. Um leque se abriu, que passa por influenciadores digitais, uso de content marketing, branded content, enfim, tudo que estamos vendo e que só deve aumentar na carteira de serviços do setor”.

Corroboram com essa visão o CEO da Weber Shandwick, Zé Schiavoni e o chairman da Edelman, Yacoff Sarkovas. Para Schiavoni, “assessoria de imprensa é um nicho e poucas agências conseguirão sobreviver apenas com essa oferta. O cliente quer que a gente ajude a resolver o que está pegando no negócio dele. Minha principal função como executivo de uma agência de comunicação é sentar com o CEO do meu cliente e perguntar o que está tirando o sono dele à noite. É aí que as agências podem ajudar e atuar”, afirma. Na mesma linha, Sarkovas acredita que assessoria pode ser uma boa ferramenta de ativação, pois “o relacionamento com a imprensa e os influenciadores nunca deixará de ser relevante e necessário. A diferença é que as agências não devem mais se limitar a esse serviço. No mundo que ficou no passado, colocar a marca de seu cliente no espaço editorial de um grande veículo era o objetivo final. Agora, é um estágio inicial, um endosso antes de se amplificar e reverberar o conteúdo”.

 

4. O profissional do futuro já está aí?

Em 2015 a Abracom lançou a campanha “Somos comunicação corporativa” (https://www.facebook.com/somoscomunicacaocorporativa/) destinada a promover a identidade dos empresários e dos profissionais do setor, até então tratado por variados nomes. O que estava, e está, em jogo é o orgulho de pertencer a uma atividade empresarial e profissional nobre e fundamental para a construção e manutenção da reputação de milhares de empresas, governos, organizações e pessoas públicas.

Um dos mantras da campanha é o tema da multidisciplinaridade, em um mercado que foi por décadas tomado por profissionais formados em jornalismo e, em mínima proporção, pelos formados em relações públicas e publicidade, composição que vem mudando lentamente ao longo dos anos.

A Abracom detectou na série história de 4 pesquisas de cargos e salários, feitas com agências do setor, uma ampliação gradativa da presença de profissionais de outros segmentos. Na primeira pesquisa, em 2008, eram 80% os jornalistas formados que trabalhavam em agências. Em 2017, esse número caiu para 57%, com 10% de formados em RP, 8% em publicidade e os demais 25% com formações que variam entre administração de empresas, design, economia, direito, ciências sociais, engenharia, arquitetura e dezenas de outras áreas do conhecimento.

Também nesse período surgiram importantes cursos de especialização, como Gestcorp da USP e o MBA Internacional Aberje/Syracuse, permitindo que profissionais de várias áreas aprofundassem seus conhecimentos sobre comunicação corporativa. E cristalizou-se o entendimento entre inúmeras lideranças da comunicação brasileira de que era preciso colocar a questão da multidisciplinaridade em linha com práticas consagradas no exterior.

Em suma, para atender aos desafios alinhavados nesta matéria, é preciso também que as equipes de trabalho passem por uma profunda reestruturação. O aspecto multidisciplinar é um deles, mas não o único.

Hugo Godinho compara as equipes de trabalho nas agências a uma orquestra. “O maestro é o grande consultor que entende o cliente e seu setor profundamente, um grande aconselhador de comunicação e gestão de reputação. Os músicos são as especialidades, que vão de produção de conteúdos a business inteligence, de planejamento e criação a comunicação e gerenciamento de crises”. Nesse ambiente, lembra Claudia Rondon, é preciso que as equipes se envolvam mais no esforço de venda de produtos e soluções para os clientes. “O atendimento que precisamos já no presente, e será essencial em um futuro próximo, é aquele que vai além de funções técnicas e propõe soluções criativas, identifica necessidades ocultas dos clientes, faz parte do esforço coletivo para que a agência esteja sempre instigando as organizações a investir mais e mais em comunicação”, lembra.

Entre as muitas novidades do mundo da tecnologia que assombram os profissionais do setor está o avanço da inteligência artificial. Robôs produzindo textos com lógica perfeita de SEO? Máquinas dominando os algoritmos das redes sociais para definir estratégias de distribuição de conteúdo? Sim, isso é realidade, cada vez mais presente, e muitas outras funções poderão ser exercidas pela inteligência artificial. Mas, como diz Renato Salles, sócio-diretor de contas públicas da FSB Comunicação, “o fator humano, o pensamento estratégico continuará essencial. O que dizemos aos profissionais é que eles precisam dominar a técnica para colocar em jogo seu papel como formuladores”.

Ou, como diz Godinho, vamos nos tornar mais cientistas: “Toda agência mais moderna deve contar já com times de data cientists avaliando resultados de comunicação e gerando insights importantes para direcionar estratégias. Menos feeling, mais assertividade. Nunca a criatividade terá tantos bons insights e métricas de avaliação de sucesso. Este é o novo mundo da comunicação, quem diria, mais científico”.

Por isso, a composição multidisciplinar ganha relevo. Não apenas na diversidade de formações dentro da equipe, mas também na formação individual dos profissionais, que devem ir muito além de sua graduação de origem sob o risco de ficarem para trás, como alerta Marcia Guenes, ao dizer que “o mercado pede talentos que tenham conhecimentos gerais, seja em tecnologia, gestão, planejamento. O profissional que já está no mercado tem dificuldade de enxergar esse novo modelo, mas novas gerações têm incorporado essa tendência, investindo em habilidades diversificadas”.

Os gestores das empresas procuram essa diversificação, como se pode verificar nos debates feitos pelos profissionais que integram o Grupo de Trabalho de RH da Abracom. Isso se reflete na busca de “profissionais de diferentes expertises, altamente-verticalmente especializados, digitais nativos e com habilidade emocional para trabalhar em estruturas integradas e colaborativas”, afirma Sarkovas.

Para enfrentar um mercado que tem de um lado mais publicitários, mais consultores e, de outro, ainda com alta especialização exclusiva em comunicação, a receita, segundo Schiavoni, é ampliar com ousadia a diversificação. “Precisamos ter mais profissionais de outras áreas do conhecimento. Mais ciências sociais, mais psicologia, mais direito, mais economia, administração. Precisamos de pessoas com formação em exatas (matemática e física). Dependendo da especialidade do cliente, há espaço mesmo para profissionais de áreas bem específicas como medicina, veterinária, agronomia e química”, diz. Mas, como lembra Hugo Godinho, “o grande desafio é equilibrar os perfis da maneira certa para garantir uma sinfonia que ecoe bem para o cliente”.

Para terminar, é preciso responder à pergunta que abre este artigo. O personagem da velha campanha publicitária quer saber para onde esse mundo vai. Podemos responder: vai para onde o levarmos.

Mas é impossível atender ao pedido dele para irmos devagar com o andor, pois este, o mercado, se move em alta velocidade e nós precisamos andar parelhos com o andor, antes que ele caia.

 

 

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