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Gloria Maria, ícone da TV brasileira

Protagonista de grandes momentos do jornalismo no Brasil, a jornalista e apresentadora faleceu nesta quinta-feira (2), aos 73 anos. Com uma carreira recheada de momentos icônicos como entrevistas com celebridades e reportagens exclusivas em lugares exóticos, Glória deixou sua marca na TV brasileira ao ser a primeira repórter negra a aparecer ao vivo, além de cobrir grandes eventos mundiais

Divulgação

Protagonista de grandes momentos do jornalismo no Brasil, Glória Maria deixa duas filhas, Maria e Laura, de 15 e 14 anos, respectivamente.

Morreu nesta quinta-feira (2), aos 73 anos, a jornalista e apresentadora Gloria Maria, conhecida por ser a primeira repórter negra da TV brasileira. Ela estava internada desde o dia 4 de janeiro no Hospital Copa Star, em Copacabana, na Zona Sul, para dar continuidade a um tratamento contra um câncer no pulmão. Protagonista de grandes momentos do jornalismo no Brasil, ela deixa duas filhas, Maria e Laura, de 15 e 14 anos, respectivamente.

Glória Maria Matta da Silva nasceu no Rio de Janeiro, filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta, estudou em colégios públicos e sempre se destacou. Graduada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), entrou para a equipe de jornalismo da TV Globo nos anos 70, onde permaneceu por toda sua carreira.

Em sua jornada pela emissora, apresentou vários programas jornalísticos como Jornal Hoje, RJTV e Bom Dia Rio. No Jornal Nacional, foi a primeira repórter a aparecer ao vivo. Cobriu a posse de Jimmy Carter em Washington e, no Brasil, durante o período militar, entrevistou chefes de estado, como o ex-presidente João Baptista Figueiredo. Cobriu também a Guerra das Malvinas, em 1982.

Em 1986, Glória integrou a equipe do Fantástico, do qual foi apresentadora de 1998 a 2007. Tornou-se conhecida pelas reportagens especiais e viagens que fez a lugares exóticos, como o deserto do Saara e a Palestina, dentre outras. Também marcaram sua carreira entrevistas com celebridades como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna.

Após dez anos no Fantástico, Glória Maria tirou dois anos de licença para se dedicar a projetos pessoais, como as viagens à Índia e à Nigéria, onde trabalhou como voluntária. Nesse período, adotou suas duas filhas, Maria e Laura. Em 2010, voltou à emissora para integrar a equipe do Globo Repórter, programa do qual faz parte até hoje.

Em 2019, Gloria Maria foi diagnosticada com um câncer de pulmão. O tratamento com imunoterapia teve sucesso. “Em meados do ano passado, a jornalista iniciou uma nova fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais que, infelizmente, deixou de fazer efeito nos últimos dias”, relatou a assessoria da TV Globo em nota.

“Glória marcou a sua carreira como uma das mais talentosas profissionais do jornalismo brasileiro, deixando um legado de realizações, exemplos e pioneirismos para a Globo e seus profissionais”, acrescentou a emissora.

 

Representatividade e referência

Em uma entrevista ao programa Papo de Segunda, em 2021, o rapper Emicida descreveu Gloria Maria como “uma das maiores referencia de possibilidade que esse país já viu”. Jornalista e apresentadora, a carioca não limitou sua vida apenas ao trabalho em frente às câmeras, mas também atuou fortemente no ativismo pela equidade de raça e de gênero. Ela foi fonte de grande referência para profissionais negros da comunicação, que viram em Gloria Maria um espelho e inspiração para o sucesso na profissão.

Rose Campos, apresentadora do programa Ecos do Meio, que vai ao ar às terça-feira, na Rádio Mega Brasil Online, falou sobre a importância da jornalista em sua trajetória. “A Gloria pra mim foi uma glória. Ela esteve nos momentos mais importantes da minha vida. Eu olhava para ela e tinha orgulho. Ela passou por muitas coisas nos bastidores, onde falávamos com outras jornalistas de coisas que ela sofria, dos preconceitos. Mas ela teve uma coisa muito importante, que foi o não desistir, a cabeça em pé e sempre trabalhando”, comentou a apresentadora.

Uma outra coisa que me marcou muito foi o lance de não ser mãe e num determinado momento da vida, ela perceber que isso era uma coisa boa”, descreve Rose. Em 2010, em uma viagem à Bahia, Glória conheceu Maria e Laura, irmãs biologias que posteriormente foram adotadas pela jornalista. “Eu já tinha uma admiração muito grande por ela, e quando ela adotou, adotou também um sonho meu.”

Para a apresentadora do Ecos, Gloria Maria foi um ícone para o jornalismo, principalmente para mulheres negras que queriam ingressar na profissão, além de toda a comunidade que viam na jornalista uma referência. “Ela mostrou que a cor não tem nada a ver com oportunidades e capacidade. Essa é a grande marca de Glória Maria. Oportunidade e capacidade não têm cor”, afirma.

A também apresentadora Cris Guterres, da TV Cultura, também deu seu depoimento sobre a perda de Glória Maria: "Fiquei muito emocionada, porque embora a comunicação seja um dos meus skills mais valiosos, eu só sou jornalista porque um dia liguei a televisão e vi Glória Maria viabilizando um sonho que nem sabia que existia. A partir do momento que vi aquela mulher negra, com cabelo crespo, microfone na mão para dar notícias com tanta segurança, internalizei que era possível fazer faculdade de jornalismo, trabalhar e ser feliz com essa profissão”, escreveu.

A Glória foi uma das maiores jornalistas do país, que desbravou várias barreiras. Embora preferisse não ficar tão imersa nas discussões de raça, ela influenciou mais de uma geração de profissionais negras. Hoje temos um grupo de quase 50 jornalistas com o nome 'Herdeiras de Glória Maria', porque é impossível encontrar comunicadoras pretas de até 40 anos que não foram influenciadas por ela”, contou.

O coletivo Herdeiras de Gloria Maria, criado por Cris Guterres e Leticia Vidica, da CNN, é exemplo da representatividade da jornalista. O grupo reúne profissionais da comunicação que se inspiraram na trajetória de Glória para ingressar na profissão e serve como espaço para trocar experiências de vida, de trabalho, contar histórias e celebrar as conquistas umas das outras. "Eu, uma mulher preta retinta, só sou jornalista hoje porque um dia eu olhei a TV e vi alguém como eu. Uma mulher preta, com microfone na mão, sendo reconhecida pelo seu trabalho para além da cor da pele. Para mim, a Gloria Maria é o grande significado de representatividade, capaz de concretizar sonhos de pessoas como eu", conta Letícia. "Vamos seguir sendo suas herdeiras sempre."

Claudia Lima, que entrevistou Glória Maria no Roda Vida, escreveu para a Vogue sobre o legado da jornalista. “Para pessoas negras, ver Gloria Maria todos os dias, na "hora do jornal", era motivo de orgulho. Para as mulheres negras, ah… para as mulheres negras, ver Gloria Maria na TV era simplesmente o máximo, o supra sumo de tudo o que jamais poderíamos imaginar. Eu, criança, me lembro que todas as vezes que ela aparecia, meus pais gritavam: "Vem ver a Gloria Maria!" Era o máximo ver aquela mulher que parecia uma das minhas tias, primas, com o cabelo black power, que, embora discreto, já passava ali seu recado”, escreveu.

Já a jornalista e apresentadora do Fantástico Maju Coutinho afirmou à CBN que Glória Maria fez o sonho dela de ser jornalista se tornar 'realidade para outras jornalistas negras'. “Ela foi uma presença fundamental para mim, assim como para outras colegas negras”, diz.

Maju conta como Glória se tornou uma referência, e deu autorização para o sonho de mulheres jornalistas, fez isso se tornar realidade. Emocionada, a apresentadora do Fantástico ainda agradeceu pela existência na televisão de Glória Maria e pela 'porta enorme que ela abriu'.