A história da protagonista, aqui de nome Joyce, uma pessoa que conheci há alguns anos, porém jamais imaginaria os horrores que aquela mulher, que se escondia atrás da personagem citada, havia sofrido no início de sua adolescência. Sua história chegou a mim através de seu livro e, portanto, o contato com a autora, na qual foi regado por muitas lembranças e falas bonitas de bonecas Abayomi, revelara que já a conhecia, mas, jamais, aquela sua louca história.
Interessante como olhamos para tantas pessoas e nunca imaginamos sua trajetória de vida vivida, e isso nos faz pensar sobre nossos conceitos e preconceitos, ou seja, aquele bem querer (ou não) que nos atrai (ou afasta) de determinadas pessoas.
Bem, no rumo da análise dos fatos da semana, esse ganhou o meu tempo, pulverizou meu imaginário e me fez refletir sobre os horrores e as superações de grandes Mulheres. Além de voar sobre as lembranças de nossos heróis anônimos, mas, para nós, sempre grandes heróis... Todos nós temos histórias com pais, avós, irmãos, algum parente importante ou amigo, que contribuiu para o nosso desenvolvimento pessoal em busca do crescimento moral e ético do ser humano, que habita (ainda) em nós.
E pensando nesse ser humano e em sua trajetória de vida (nascer, crescer, estudar, trabalhar, namorar, concretizar sonhos e seguir a vida...) que relaciono a grande importância de boas leis e políticas públicas de segurança e saúde corretas, que “ampare” o ser humano no seu processo de desenvolvimento (descobertas, indagações e irreverências ) social. Não estamos sós e viver é uma arte que necessita de um bom enredo e bons componentes auxiliares em todas as suas etapas: da escola, ao trabalho, ao convívio social e familiar. E quando alguns desses componentes faltam ou suas engrenagens não correspondem ao roteiro, ao script proposto, o personagem central é prejudicado. Na verdade, todos nós saímos machucados, mas não nos damos conta, não reconhecemos (muitas vezes nem queremos), ver aonde se encontra a nossa parcela de responsabilidade, pois ignorar é bem melhor e não dói.
Até parece loucura!!! Pois é, a Joyce, a personagem central dessa história, conhece bem essa expressão... Nada depreciativo, mas isso tudo, até parece loucura! Porém, garanto que não é...
Ser vítima de regimes, circunstâncias, interesses e ainda ser classificada como louca são vivências separados difícil de compreender, quanto mais de sofrer... Sofrer vários tipos de agressões em nome de uma recuperação, dê quem? Para quem? Agradar a quem? Em nome de quem? Quem sabe? Quem se incomodou?
Do que estamos falando?
Da personagem Joyce, que poderia ser a Antônia, o José, a Tânia, o Mário, a Maria, Jesus... Jesus? Sim, Jesus.
Nossa mãe!!!
E clamando pelo divino tentamos compreender como os seres humanos são capazes de tanta crueldade em nome de uma lei, de uma crença e até mesmo em nome de uma sanidade não existente, não de quem a sofre, mas do próprio agressor. Afinal, “doença mental não mata”, diz a personagem Joyce ao relatar os horrores que viu e enfrentou ao ser internada, nos anos 70, em um “hospital psiquiátrico” ou manicômio. O triste é que não nos damos conta de todo o enredo que sofre essa personagem até aqui, pois somente hoje Joyce revelou sua verdadeira identidade, por medo de outras e diferentes repressões sociais.
Hoje, incoerente com tantos avanços tecnológicos que poderiam auxiliar o homem a viver melhor, como aceitar pacificamente atitudes que não elevam esse homem, ao contrário, elas revelam o seu real tamanho!? Por outro lado, o questionamento atual, com preocupação maior no “S” do “Social” pertencente ao acrônimo ESG, nos leva a pensar, como as empresas estão lidando com uma realidade de transtornos psicológicos e emocionais que afetam aos seus colaboradores?
O tema poderia ser leve se não fosse tão sério, pesado e atual (mediante aos traumas envolvendo milhões de famílias vítimas de enfermidades e das recentes chuvas) na busca por entender e “tentar” ajudar na compreensão do ocorrido com esses colaboradores, muitos afastados de suas funções profissionais por problemas que são diagnosticados como leves e tratados levemente até a progressão de diagnósticos que podem ultrapassar o limite do equilíbrio mental, me faz refém e cumplice desses ecos, dos gritos calados de Joyce’s e, portanto, na busca por intervenções e ações salutares que nos conduza a importantes mudanças no tratamento humano.
Joyce, figura central de nosso artigo, possui sua história registrada no livro “Sanatório Palmares” que se encontra em sua segunda edição e não apenas pelo fato de uma edição esgotada, mas por serem fases ou etapas de revelação e abertura sobre novos fatos que não se esgotaram em si e que precisavam, segundo ela, serem revelados no agora.
A intensão desse artigo, com cara de desabafo, foi roubar a cena da personagem para trazer outros personagens e alertar trabalhadores, dirigentes e toda a sociedade, o “S”, sobre os preconceitos de um diagnóstico e a tortura de ser condenado sem haver cometido crime algum... Apenas uma sentença de várias vias. Portanto, o quanto estamos realmente preocupados com a recuperação de amigos e companheiros que passam ou passaram por algum transtorno psicológico? Como julgamos e como nos inserimos no contexto passado e nos julgamentos e formas de torturas atuais?
As palavras parecem até injustas conosco, porém, precisamos olhar para a realidade que se foi e que, oxalá, deve ser analisada para não mais voltar , a fim de que possamos, através de nossas comissões e grupos de trabalho, em nossas empresas e comunidades discutirmos, sem medo e vergonha, situações que podem acometer a qualquer um de nós, pois não estamos livres de passar por algum tipo de transtorno emocional, que pode começar por um simples estresse, e evoluir para problemas mais sérios, mas com a certeza de sermos amparados e tratados com dignidade...
Em uma sociedade onde o poder econômico dita as regras do “bem viver” e o caráter de uma pessoa é proporcionalmente dimensionado pelo valor de sua conta bancária, podemos afirmar que o desequilíbrio social já se encontra instalado e a desarmonia, tanto pessoal quanto em grupo, é apenas uma questão de tempo.
O principal, portanto, é discutirmos claramente o que estamos fazendo para reverter tudo isso, que passa pelo fator responsabilidade de autoridades, empresas, família, até chegar a cada um de nós, pessoas pertencentes a esses grupos. Portanto, precisamos desenvolver análises pessoais sobre como encarar esse fato, seus históricos, consequências e sem preconceitos. Trazendo à realidade a verdade e afastando os fantasmas do passado através da vontade de mudar, onde aprender a ver e ouvir é um fator cultural que despende de treinar novas e corretas atitudes para, inclusive, podermos enfrentar as dores silenciosas do próximo... Dores invisíveis, talvez de pessoas também invisíveis (ou não) mas, silenciadas.
Sendo março o Mês da Mulher, a professora e autora Cleide Scarmelotto estará no Programa Ecos do Meio para contar muito mais sobre essa história e, com ela, poderemos entender melhor como a repressão age, assenta e reproduz seus tentáculos sobre a sociedade.
Autor: 214