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Nada será como antes

Divulgação

Daniel Bruin "É nosso dever deixar um mercado melhor e mais forte para as futuras gerações da comunicação."

Alguém que fosse parte ou acompanhasse o mercado de comunicação e, por algum motivo exótico, tenha caído no sono em 2010 e acordado hoje, provavelmente teria duas surpresas.

A primeira é que nos transformamos em um setor que emprega 17 mil pessoas e faturou R$ 3,3 bilhões em 2020, um colosso que reúne 900 agências prestando serviços de comunicação de alta qualidade e em todos os níveis. Quem diria!

A segunda surpresa, infelizmente, não é tão boa. O dorminhoco vai descobrir ao acordar não reconhecer muitas das práticas, condições e até mesmo o modus operandi do segmento. Aumento abusivo de demanda, concorrências predatórias e diminuição sistemática de investimentos e fees transformaram o setor em uma arena de sobrevivência.

Dizem que sempre foi assim, mas não foi. Era difícil? Era. Muita gente reclamava? Sim, é de praxe. Mas a relação entre agência e cliente, que sempre foi uma corda esticada, agora virou um nó. O puxa e estica para levar vantagens mínimas em negociações muitas vezes injustas acabou enrolando essa corda no pescoço das agências. Se as empresas puxarem mais, podem enforcar um segmento inteiro. E isso não é bom para ninguém, inclusive para quem acha que está levando pretensa vantagem nesse embate.

Para as agências, não está bom por motivos óbvios. As empresas, por sua vez, acreditam estar vivendo uma espiral de ganhos momentâneos, mas que fatalmente levará a uma estagnação e, talvez, um refluxo do mercado. Ganha-se hoje para não ter o que ganhar amanhã.

O cenário é de perplexidade e busca incessante por novos caminhos, diálogos e modelos que possam tornar essa relação sustentável novamente.

Mas, sejamos sinceros: esse cenário não apareceu de repente. São anos, décadas, de uma relação que foi se adaptando às circunstâncias geradas por desmandos econômicos de sucessivos governos, crises, novas demandas de comunicação, mudança no perfil do profissional que atua na área dentro da empresa, entre outras.

Mas uma relação não cuidada está fadada a ser uma relação desgastada e, por vezes, conflituosa. Os diálogos necessários ao longo desse processo não foram promovidos, e hoje se procura quase desesperadamente romper uma barreira de silêncio.

A Abracom, como entidade que representa as agências de comunicação no Brasil, tomou a frente para reescrever essa história. Lançamos no ano passado o Manifesto por Concorrências Justas e Transparentes, um convite ao diálogo para que as áreas de compras, de comunicação, de finanças e a alta direção das empresas, em conjunto com as agências de comunicação, possam estabelecer um pacto de boas práticas para a contratação de serviços que estejam alinhadas a seus discursos.

A ideia é abrir um diálogo para deixar claro que não há margem para práticas comerciais que não têm mais lugar em um mundo em que ganham cada vez mais importância o compliance e a preocupação com o ecossistema em que as companhias se inserem.

O principal ponto para se prestar atenção nesse jogo são as concorrências. É preciso rever práticas como a colocação de prazos de menos de 15 dias úteis para apresentação de propostas estratégicas e criativas, briefings obscuros e objetos de contratação mal definidos, e até aberrações como a concorrência que previa a prestação, por parte do ganhador, de um “período gratuito de serviços” para que agência e cliente pudessem se conhecer, como se fosse um encontro agendado por aplicativo.

Uma boa visão de como esse processo está esmagando a resistência das agências apareceu na pesquisa que a Abracom fez com seus associados, que avaliaram 45 concorrências realizadas ao longo de 2021. Uma amostra de um universo amplo, que revela alguns dos pontos que podem ser melhorados nos processos de contratação de serviços. E que também mostra que há um número razoável de boas concorrências no mercado. Os dados revelaram um cenário preocupante.

A maioria das concorrências avaliadas foi realizada no principal mercado do País, São Paulo, com incidência de 80%. A duração dos processos de escolha variou de 20 a 60 dias em 42% dos casos. Mas chegou a passar de 60 dias em 18%, um número estarrecedor.

Segundo a pesquisa, 46% das empresas perderam a concorrência, 20% venceram e outros 20% nunca tiveram uma resposta, dado que revela descaso com os participantes, que se preparam para apresentar uma proposta e ficam no escuro. Em 70% das ocasiões os prazos de divulgação dos resultados previstos no edital não foram cumpridos.

Em 78% das concorrências, os briefings não indicavam verba de referência, o que deixa a empresa que vai preparar uma proposta sem parâmetros para formatar um preço justo. E 53% dos briefings foram realizados em sessões individuais, o que não permite também que as agências saibam com quem estão concorrendo e nem ao menos abre possibilidade de sessões coletivas para esclarecimento de dúvidas. Essa prática levou 79% das agências a indicarem que não houve transparência durante as etapas do processo e afirmarem que em 60% dos casos não foram divulgados os critérios de avaliação técnica, prática que é obrigatória, por exemplo, nas concorrências públicas.

Por fim, nossos associados revelaram que em 58% das concorrências pesquisadas não houve feedback, nem para quem perdeu e nem para quem ganhou. Ou seja, a agência participa de todo um processo seletivo, aloca grandes recursos materiais e intelectuais, gasta um tempo enorme na elaboração e apresentação da proposta e depois fica a ver navios, sem saber como foi seu desempenho.

Tudo isso chega a ser estranho se observarmos o discurso e as anunciadas práticas ESG das empresas atualmente. Nesses últimos meses, a mídia brasileira foi inundada por diversas campanhas publicitárias em que muitas das maiores empresas do Brasil tornavam público ou reafirmavam seu discurso ESG. Prometem compromissos ambientais, sociais e de sustentabilidade, programas de governança e compliance, anunciando um mundo de boas intenções que devemos aplaudir e apoiar. Mas um olhar mais crítico a essa narrativa traz diversos questionamentos, principalmente na questão do walk the talk, ou fazer dentro de casa aquilo que promete da porta pra fora.

Vemos no dia a dia algumas condições insalubres permeando o ambiente de negócios de clientes e agências, como o aumento das concorrências predatórias, exigências de entregas muito acima do previsto em contrato e condições de pagamento cada vez mais surreais. Tudo sob a ameaça de que, se não aceitar, “abrimos concorrência e outro pega”.

Todos esses elementos reforçam nosso propósito de buscar um diálogo mais aberto e franco com as empresas. Principalmente agora que a Abracom comemora seus 20 anos de vida.

Queremos comemorar essa data plantando as sementes de uma nova entidade, mais ágil, eficiente e profissional. O mercado de comunicação evoluiu e a Abracom deve evoluir junto.

Nos últimos anos demos passos decisivos nesse sentido, com a criação dos Grupos de Trabalho de Digital, de Compliance e de Diversidade e Inclusão, que espelham as novas fronteiras que estão sendo exploradas por nosso setor. Estes grupos de think tank têm debatido as melhores práticas, ferramentas e abordagens em segmentos importantes, que certamente ainda estarão no dia a dia da comunicação por muitas décadas.

O Grupo de Trabalho Mercado Forte, que congrega as lideranças do nosso setor, reúne-se frequentemente para analisar os problemas estruturais e propor soluções para melhorar o ambiente de negócios. Profissionais das agências deste GT trabalham em projetos de pesquisa, criação e elaboração de melhorias, em uma amostra de que é interesse de todos ter um mercado mais profissional e fortalecido.

No ano passado, fizemos junto com este Anuário e com a newsletter Jornalistas&Cia a mais ampla e profunda pesquisa sobre o real tamanho do nosso mercado, que revelou um universo de cerca de 900 agências ativas em todo o Brasil, proporcionando dados que vão permitir ampliar nossa atuação e os horizontes de relacionamento com aqueles que estão mais longe e “desgarrados” da entidade.

Estamos preparando novos talentos do setor, com o lançamento do Programa de Formação de Lideranças, que já está formando sua primeira turma e promete ser uma boa fonte de inspiração para os jovens que serão as referências do mercado no futuro.

Também estamos finalizando os preparativos para lançar o programa de certificação, que vai conferir às associadas Abracom um selo de qualidade, desde que cumpram alguns pré-requisitos. Este projeto vai valorizar as agências em sua atuação frente a players de outros setores, garantindo padrões de ética, profissionalismo e transparência.

Queremos que a celebração dos nossos 20 primeiros anos de vida seja um primeiro movimento para criar uma “nova Abracom”, eficiente, moderna e profissional, preparada para os próximos 20 anos. É nosso dever deixar um mercado melhor e mais forte para as futuras gerações da comunicação.

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