Famílias empresárias são um tema sempre presente na economia, afinal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas instaladas no Brasil têm perfil familiar. Elas respondem por mais da metade do PIB e empregam 75% da mão de obra brasileira.
Mas o que chama atenção na edição deste ano da Pesquisa Global de Empresas Familiares, organizada pela PwC, é um atributo de inúmeros significados: confiança. Confiança continua sendo uma vantagem competitiva vital, que diferencia as empresas familiares de outras empresas. Segundo o Edelman Trust Barometer, a confiabilidade das empresas familiares é 12 pontos percentuais maior do que a das empresas em geral.
Para quem construiu uma carreira executiva em grandes corporações globais, meu conhecimento acerca de famílias empresárias brasileiras limitava-se ao que lia nas revistas de negócios, em reportagens geralmente acompanhadas de uma máxima que se tornou padrão: a necessidade de profissionalizar as gestões familiares. Ora, se é mais confiável, por que é preciso “profissionalizar”?
Esta questão me inquietava até eu ter a oportunidade de ser advisor em estratégia de comunicação para a CEO de uma grande empresa familiar, a GTEX. Você talvez não tenha ouvido falar nesse nome ainda. Mas vai. Trata-se de uma das 5 maiores empresas de home care do Brasil, que ocupa o segundo lugar no concorrido mercado de amaciantes com a marca Baby Soft, além de fabricar outras marcas tradicionais como Urca, UFE e AmazonH2O. A GTEX, uma empresa entrando na segunda geração da família empresária fundadora, caminha fortemente para atingir um faturamento de R$ 2 bilhões até 2025.
Apesar da trajetória da empresa se assemelhar muito mais a uma montanha-russa do que a uma estrada tranquila, a GTEX chega aos 50 anos em 2023 antenada com o espírito da época e comandando seu próprio destino. Parte disse se deve ao processo de sucessão em curso. O fundador, José Domingues, e sua filha, Talita Santos, iniciaram há algum tempo uma “smooth transition”, que ajudei a conceituar internamente como Evolução, porque não é uma mudança ou transformação. Tem sido um processo que reverencia o passado que tanto orgulha as pessoas da organização, ao mesmo tempo em que promove a inspiração futura que a nova CEO representa.
A outra parte da história é mais pragmática e seguia um curso natural até então para empresas que experimentam grande crescimento. Em 2010, a família Santos negociou a venda de 51% das ações da companhia para um fundo de private equity internacional e deixou de ter função executiva, permanecendo apenas com a minoria dos assentos do Conselho de Administração. O fundo iniciou uma nova gestão com a demissão da antiga diretoria e contratação de um novo CEO e executivos de mercado.
A condução da operação provocou aumento de custos, com a consequente redução no fluxo de caixa e aumento do endividamento. Quando foi vendida para o fundo, o faturamento anual da empresa era de R$ 250 milhões. Três anos depois, a receita tinha caído para R$ 180 milhões. Em 2013, o fundo inglês decidiu sair do negócio e propôs à família Santos recomprar as ações da GTEX, o que se efetivou.
Um ano depois, o Grupo voltou a gerar caixa e faturamento de R$ 250 milhões/ano, graças a um controle orçamentário rígido e conscientização de todo o time sobre as despesas. A família recontratou os antigos líderes e propôs aos credores reduzir de 15 para 10 anos o plano de Recuperação Judicial. A proposta foi bem recebida e aumentou o grau de confiança da GTEX junto ao mercado. O resultado é que no ano passado já faturou 1.2 bilhões e, contrariando uma tendência negativa das empresas nessa situação, saiu fortalecida e antecipadamente do processo de recuperação judicial.
Mas isso são apenas números, algo comum a todos os negócios, sejam os que chamam de “profissionalizados” ou familiares. O que parece fazer a diferença numa família empresária, como é o caso da gestão da GTEX, são três características que cada vez vem se tornando mais necessárias e valorizadas em qualquer negócio, por serem atributos prioritariamente humanos nesses tempos de inteligência artificial: simplicidade, gentileza e autenticidade.
Ao longo do projeto na GTEX, essas três qualidades estiveram muito presentes na minha relação com as pessoas da empresa. Mas principalmente, bastante visíveis na relação da CEO, Talita Santos, em pleno processo (nervoso, às vezes) de sucessão, com os stakeholders da organização. Se gentileza gera gentileza, confiança gera mais confiança. O nível desse atributo está sempre em alta na empresa. E isso não significa evitar os temas áridos ou suavizar palavras mais duras. O que se pratica ali é o cuidado nas relações, o respeito ao outro e a si mesmo. Isso não é fruto do trabalho de consultores de RH ou advisors como eu, posso garantir. É coisa de família.
Esse jeito familiar de construir e gerenciar relacionamentos baseados na confiança leva a outro atributo claramente perceptível na GTEX e que, na minha opinião, é o que mais caracteriza o estilo de gestão da empresa: a autenticidade. Eis ali uma empresa autêntica. No C-Level, não há lugar para cinismo corporativo. Não existe espaço para agendas ocultas. Quer dizer... pode até haver, ocasionalmente, mas não há de durar. O próprio sistema trata de expurgar o que não orna com a cultura da autenticidade GTEX.
E já que chegamos aqui, vale uma máxima que apurei nesse período: “É preciso ser muito autêntico para ser tão simples”. A GTEX é uma empresa grande hoje em dia. Mas, paradoxalmente, é uma empresa simples. Talvez a experiência ruim da venda do controle para um fundo de investimentos tenha reforçado essa lição já aprendida no seio familiar. A profissionalização, da maneira como foi feita naquele momento, deixou claro que o oposto de complexo, complicado, afetado e até mesmo deslumbrante, é simples. E eles fazem o simples. Simplesmente isso.
Portanto, se você trabalha ou está pensando ingressar em uma empresa de gestão familiar, comece a estudar essas três características. Se, como eu, é um advisor ou consultor, apenas terá sucesso prestando serviços para esse mercado se a humildade for um de seus valores. Agora, se for membro de uma família empresária e confia no objetivo social dos seus negócios, ajude a difundir esse novo conceito, mais alinhado aos desafios do mundo contemporâneo: “já se falou muito sobre profissionalizar a gestão de empresas familiares. Que tal começarmos a pensar em familiarizar a gestão das empresas profissionais?”
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