Nassar: narrativas da tolerância são urgentes para o convívio produtivo
As organizações costumam historicamente contemplar o próprio umbigo: suas equipes, seu cotidiano, linhas de produção, processos, metas e realizações. Mas é inevitável que empresas e instituições sejam atravessadas pelas grandes transformações no mundo de hoje. Cada vez mais, acontecimentos disruptivos surgem no radar das organizações. Com isso, projetos precisam ser repensados e a própria estrutura organizacional é desafiada. Isso se torna dramático quando a realidade propriamente dita se une a outras realidades, como a virtual e a aumentada. Quando até o estatuto do real se expande, não há como se isolar.
Basta olhar em torno. Os movimentos migratórios decorrentes de guerras causam tanto catástrofes humanas (“humanitárias”, como gostam de dizer alguns analistas) como reconfiguram o mapa mundi. As desigualdades sociais e territoriais se exacerbam. No Brasil, a legitimidade da democracia é alvo de confrontos. Na Europa e nos Estados Unidos, o populismo dissemina a cultura da exclusão. O Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia – lança um enigma à globalização. As lutas religiosas ganharam uma nova importância entre as comunidades muçulmanas. A tolerância religiosa é colocada em xeque no berço do cristianismo, a Europa.
Sobretudo a vida íntima e as ações identitárias impõem novos códigos e padrões. As identidades mais variadas estão assumindo um lugar de honra no mundo. Ali mesmo onde eram ignoradas e interditas da vida privada, pública e do trabalho. Diante de tamanha irrupção que não podia ser calculada pelos futuristas de meio século atrás, o tema da identidade de gênero se revela urgente.
Hoje assistimos à efervescência de discussões em torno de como o indivíduo se coloca no cotidiano, sob várias formas. Tanto nas situações íntimas como nas interpessoais, ela se expressa em palavras, nos eventos de convívio e cultura – exposições, sessões de cinema e shows – e na simples ocupação do espaço e da moda. Tudo isso incendeia as imaginações. Surgem estilos de vida e sensibilidades as mais diversas que enriquecem a experiência humana.
Assim, o processo de alteração profunda na sociedade se tornou inevitável – e fascinante. Do plano mais íntimo ao social de forma abrangente, os movimentos de identidade se fazem sentir nas migrações em massa de populações do Oriente Médio e do norte da África para a Europa, entre os povos latinoamericanos que participam ativamente da construção da América do Norte.
A multidão transformadora obriga que o debate sobre a identidade invada a mídia e a opinião pública no mundo inteiro. Ele virou prioridade na pauta das atuais eleições presidenciais norte-americanas. E tem ressonâncias no Vaticano – onde o papa Francisco defende que o mundo de hoje deve se pautar na tolerância e na construção de pontes e não de muros defendidos pelo candidato americano Donald Trump. Os conflitos raciais nos Estados Unidos, como o ocorrido em julho e vitimou sete cidadãos negros e brancos, ainda dividem uma das nações mais avançadas do planeta. Da mesma forma, a identidade se fez sentir na Olimpíada do Rio de Janeiro, no desfile das delegações com suas bandeiras, peculiaridades culturais e gastronômicas e, naturalmente, pessoais.
Na mesma velocidade com que o assunto se globaliza, ele traz um desafio às empresas e instituições. As organizações são convidadas a tomar decisões necessariamente ligadas à bandeira da diversidade. Como elas estão trabalhando diante da aparente contradição entre o consumismo que torna todos parecidos – algo quase insustentável – e a expansão irresistível das diferenças?
Mais do que um tema em debate acalorado, a identidade se converte em realidade e em oportunidade. Porque ela forma uma base inédita para a inovação e para que as organizações lancem um olhar sobre o outro, sobre aquilo que até então foi considerado diferente, e que agora merece acolhimento. As narrativas da tolerância se fazem urgentes para o convívio harmonioso e produtivo.
Habitamos um mundo novo – e as organizações estão nele. As profundas mudanças sociais não acontecem para além das paredes das empresas e instituições: estão dentro delas. Os mais diferentes tipos de profissionais e cidadãos, com sensibilidades inimagináveis anos atrás, convivem com a sociedade tradicional. As organizações fazem parte do mesmo território, e elas próprias entram no jogo das diferenças e identidades. Assim caíram todas as paredes que separavam os campos do trabalho, da sociabilidade e da intimidade.
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