Renato Gasparetto: mídias sociais espraiaram o poder midiático individual
Há alguns anos, em seu relatório anual, a WPP cunhou uma expressão para refletir as mudanças que vislumbrava no mercado de comunicação: “from Mad Men to Math Men”, dizia o texto. Referia-se à mudança no perfil do trabalho e no perfil de profissionais do segmento, com o fim do glamoroso mundo retratado pela série de TV “Mad Men”, que se passa entre os publicitários que flanavam pela avenida Madison em Nova Iorque dos anos 1960, para um cenário no qual a análise de dados, as métricas e os meios digitais seriam implacáveis na definição de estratégias de comunicação.
A indústria norte-americana de jornais, em suas versões impressas e digitais, emprega hoje 33 mil jornalistas, segundo a edição de 2016 do “State of the News Media”, feito pelo Pew Research Center. Há 20 anos, eram 53 mil. O setor não para de encolher. A circulação total, incluindo as versões digitais, caiu 7% em 2015, sobre o ano anterior. As receitas de publicidade das empresas jornalísticas que são listadas em Bolsa recuaram 8%. A percepção de que os jornais impressos são uma referência para as notícias também não resiste aos fatos. Pesquisa feita pelo mesmo centro de estudos mostra que, em janeiro deste ano, apenas 5% dos norte-americanos adultos utilizaram jornais impressos como sua fonte “mais útil” para se informar sobre as eleições presidenciais no país.
Recorrendo a um paralelo do passado, em setor similar ao de notícias, discos e CDs não eliminaram o consumo de música pelo rádio, que vem embalado por publicidade. Mas certamente reduziram em muito a influência desse meio como formador de opinião do que será um sucesso musical. O streaming também não matou o consumo de música. Pelo contrário, facilitou. Porém, o dinheiro mudou de mãos e os influenciadores e formadores de opinião são outros. O mesmo ocorre com as notícias em velocidade estonteante.
Não há dúvida de que fazer comunicação pensando apenas no relacionamento com imprensa e na publicidade tradicional é optar por uma caminho reducionista. A dispersão de interesses das pessoas quando se trata do consumo de mídia, combinada com a explosão no surgimento de novos influenciadores, tornam a tarefa dos comunicadores cada vez mais complexa. Para fazer comunicação agora e, com certeza, no futuro, é necessária uma combinação de boas estratégias por público, os meios mais eficientes e técnicas adequadas de análise de resultados.
É possível argumentar que sempre foi assim. Mas a matriz agora ficou muito, mas muito mais complexa.
A pesquisa anual Trust Baromether, da Edelman, que mede o nível de confiança junto a 33 mil respondentes, em 28 países, trouxe em 2016 o mesmo resultado estonteante que vinha se consolidando no Brasil ao longo das edições anteriores do levantamento: a credibilidade da opinião de um par é maior do que nos especialistas técnicos ou acadêmicos.
No mundo pós-moderno hiperconectado em rede, o grau de desconfiança do brasileiro frente às lideranças constituídas faz ele acreditar mais em um “amigo” no Facebook do que na opinião expressa por um professor universitário, veiculado no jornal.
As mídias sociais espraiaram o poder midiático individual, de forma exponencial. Trata-se de um processo social disruptivo e não incremental. Incorreto analisa-las como novos “canais de comunicação”, que se sucedem reduzindo os anteriores a nichos ou simplesmente destruindo-os. É uma nova lógica social.
A questão é que esse processo de evolução avassalador em termos de velocidade demanda uma nova forma de pensar e agir e os não-millenials da comunicação foram talhados a pensar em canais e a segmentar por stakeholders.
Tanto os canais até então tradicionais estão perdendo o protagonismo como a segmentação mudou. Os chamados stakeholders mudam de papéis e atitudes com a ausência de limites e fronteiras entre o cidadão e o cliente; o colaborador e o acionista; o consumidor e o agente público, e aí vai. A nova força que passou a aglutina-los é a afinidade de comportamentos e não uma identidade centrada em papéis relativamente estáveis ou faixas de poder de consumo.
Com a “commoditização” da informação, o foco volta-se para o conteúdo.
Pesquisa feita pelo Holmes Report, com os 100 profissionais de relações públicas considerados mais influentes no mundo pela publicação, mostra que 59% deles pretendem aumentar os gastos com “desenvolvimento de conteúdo” este ano, em relação ao período anterior. O bom gestor de comunicação tem que se virar porque a produção de mensagens não pode parar. É o caso de desenvolver sua própria mídia (owned media) para a difusão de conteúdos e, adicionalmente, promovê-los através das mídias sociais (shared media).
No Brasil, o fenômeno de criação de conteúdo continua crescendo, inclusive em parcerias com veículos jornalísticos na defesa de “causas” que possam associar os interesses mútuos, os chamados projetos de “branded content”.
O que mais cresceu este ano, segundo a pesquisa, foi o dispêndio com “análise e métricas”, cuja intenção de aumento passou de 38% para 50%. É o passo seguinte de gerar mais conteúdo próprio: medir os resultados em um ambiente cada vez mais diluído e disperso, buscando capturar a inteligência da interligação dos dados.
O “math man”, essência do novo profissional de comunicação, remete ao conceito consagrado pelo engenheiro de software Tom de Marco, que já nos anos 80 cunhou a expressão: “Não se gerencia o que não se pode medir”. Vale a indagação em nosso período de transição entre modelos: como estamos nos preparando para este novo tempo?
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