Ciro Dias: faz parte do DNA do profissional de PR não apenas a curiosidade mas o compromisso
O poeta inglês John Donne, que viveu no século 17, cunhou uma definição que resistiu ao tempo. Segundo ele, “nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo”.
Se isso já era perceptível há quatro séculos, o crescente movimento de conexão entre pessoas, países e culturas, e por fim o fenômeno da globalização não apenas endossam aquele raciocínio mas o fortalecem.
Nada mais saudável e alimentador do conhecimento e da capacidade crítica do que a inquietação para descobrir o que se passa do outro lado dos muros, para além de onde nossa vista alcança.
Quando falamos então do universo da comunicação essa premissa é mais do que mandatória. Faz parte do DNA do profissional de PR digno do nome não apenas a curiosidade mas o compromisso. É preciso atrevimento se queremos mesmo em nosso setor exercitar uma comunicação criativa, inovadora e capaz de montar os quebra-cabeças de milhares de peças que espelham tanto a realidade que vivemos como nossa interação com clientes.
Na virada dos anos 90, eu era um jovem editor na Folha de S. Paulo, responsável pelos suplementos semanais do jornal. Um deles era o de veículos, e para esse suplemento com frequência eu criava pautas destinadas a mostrar produtos e estratégias de marcas como a italiana Ferrari, a britânica Rolls-Royce e os fabricantes alemães de modelos de luxo. Como naquele período a importação de automóveis era proibida no Brasil, em algumas ocasiões tanto leitores como colegas do próprio jornal me questionaram sobre a razão pela qual eu dedicava tanto papel e tanta tinta para publicar reportagens sobre modelos que os brasileiros não podiam ver ao vivo no seu próprio mercado. Minha resposta ia sempre na mesma linha: “Não é por que essas marcas não podem vender seus produtos no Brasil que elas deixam de ser importantes referências e formar tendências. Por isso não se pode ignorar sua existência”.
Em outras palavras, nada é mais importante do que o mundo real, amplo e dinâmico. Este se sobrepõe ao nosso limitado ângulo de visão cotidiano. “A vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”, dizia um conterrâneo do poeta Donne, e por coincidência também chamado John. No caso, Lennon.
De novo, o paralelo com nossa atividade de comunicadores. Quem se limita as premissas tradicionais, dos planejamentos-como-sempre-foram-feitos, das táticas-só-essas-é-que-funcionam e da análise-como-quisemos-demonstrar, fica andando em círculos achando que caminha para a frente.
Ingenuamente brincando de gente grande.
Por isso, há que se olhar para o mercado global para além do que dizem a literatura acadêmica, as frases de efeito e modismos com frequência repetidos e que incentivam o efeito manada. Vale tentar saber, de verdade, para onde o vento está ventando e identificar que tipo de aprendizado podemos, como profissionais brasileiros, usufruir na interação com variáveis que estão além de nossas fronteiras.
Isso pressupõe entender o jogo como ele é e a globalização (econômica em sentido amplo, e no setor de comunicação de modo específico) em sua real dimensão.
E aqui outra experiência pessoal. Já seguindo a carreira de profissional de PR, após a fase como jornalista, fiz minha primeira visita a uma agência de comunicação nos Estados Unidos, e ela foi bastante didática. Sabendo que eu estaria em Nova York em determinada semana, o VP de uma grande organização com presença no mundo todo a quem eu havia sido no Brasil fez simpático convite para que eu, quando na cidade, o visitasse para conhecer sua equipe e tomar um café.
Data marcada, me preparei para o que deveria ser uma longa agenda, semelhante ao que programamos no Brasil quando um executivo de fora nos visita. Primeiro, um giro pela agência; depois uma interação com as principais lideranças internas, seguida der almoço em lugar especialmente planejado para agradar o visitante. Independente da agenda da tarde, um provável convite para jantar no mesmo dia ou no dia seguinte.
Pois minha experiência foi bastante diferente disso. Cheguei a agencia no horário combinado, meu anfitrião fez um tour apresentando seus principais executivos e depois me ofereceu um café. Tudo isso sem sentarmos em sua sala ou em uma sala de reunião.
Após 20 minutos me levou até o elevador, despediu-se, agradeceu pela minha visita.
Sai de lá decepcionado e considerando ofensivos aqueles meros 20 minutos. Eu reagia, evidentemente, com a cabeça brasileira, segundo a qual um convidado deve ser tratado com a máxima consideração e atenção, assim como fazemos com estrangeiros no país.
Depois, pensando melhor, me coloquei no lugar de um americano típico, que não joga conversa fora e é muito direto, no melhor estilo “time is money”. E conclui que meu anfitrião tinha cumprido tudo o que prometera: receber-me em seu escritório; apresentar sua equipe; tomar um café e trocar algumas ideias de trabalho entre um gole e outro.
Long story short: se queremos atuar como profissionais de PR globais efetivamente conectados temos que entender as peculiaridades regionais, as diferenças culturais, os formatos de operação locais. Além de sermos capazes de enxergar as premissas de nossa atividade com a ótica do outro e, com a mesma competência, traduzir nossa visão para quem nos acessa a partir de outra geografia.
Simples assim.
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