O Jornalismo está vivo, mas está diferente

Por Roberto Francellino

21 de Junho de 2024 | 08h00

A transformação da indústria da mídia é uma realidade. Tradicionalmente, o (bom) Jornalismo tem desempenhado um papel crucial na sociedade, informando, educando, orientando a opinião pública e sendo uma espécie de guardião da boa democracia. No entanto, essa atividade não se atualizou o suficiente, tanto em termos de modelo de negócio, quanto para aproveitar todas as possibilidades que a Internet e, em última instância, o celular trouxeram - muito do que se faz hoje ainda é um espelho do Jornalismo do século XX, mas em outro meio.

Quando falamos em modelo de negócio, estamos nos referindo ao sistema que prevaleceu até há alguns anos, em que a verba de anúncios era a principal fonte de receita dos meios de comunicação. Esse recursos era robusto e menos fragmentado - afinal a mídia estava nas mãos de umas poucas famílias. Com a ascensão das plataformas digitais e a fragmentação do público, esse modelo tornou-se insustentável.

O Jornalismo, ao ficar cada vez mais fraco financeiramente, também foi tendo sua credibilidade minada, ao mesmo tempo em que a informação passou a ser de graça, abundante e produzida por qualquer pessoa com um celular. Redações cada vez mais enxutas, com profissionais cada vez mais juniores e a falta de espaço e recursos nos veículos para as grandes reportagens, fizeram com que a atividade perdesse o seu post de mediador da informação.

Outro fator crítico é o componente político. A extrema direita, tanto no Brasil quanto no exterior, tem como tática desacreditar a imprensa e o judiciário, como argumenta Andrey Mir em “Post Journalism and the Death of Newspapers”. Esta estratégia cria um ambiente hostil para o Jornalismo, alimentando a desconfiança e promovendo a disseminação de fake news, num ambiente de baixa educação midiática de grande parte da população.

 

O renascimento através do Brand Publishing

Mas isso tudo está mudando, dentro do processo de rearranjo da indústria de mídia. As organizações empresariais, uma vez apenas anunciantes, agora emergem como protagonistas do Jornalismo contemporâneo. Este fenômeno, conhecido como “Brand Publishing”, está redefinindo a forma como as notícias são produzidas e consumidas e, ao que tudo indica, aliada a veículos independentes que entenderam o meio digital, pode ser a salvação de um setor em crise.

Segundo o “Trust Barometer 2024”, da Edelman, as marcas são atualmente as instituições mais confiáveis, superando governos e ONGs. Este nível de confiança é um ativo inestimável que as corporações estão capitalizando ao produzir conteúdo jornalístico de alta qualidade.

A reputação é um valor crucial para esses entes. Empresas comprometidas com sua indústria têm um incentivo para produzir informações precisas e valiosas, mantendo-se distantes das práticas duvidosas que afligem muitos meios de comunicação tradicionais. Esse compromisso com a integridade é um diferencial significativo.

Além disso, as marcas têm tempo, recursos e foco para criar conteúdo jornalístico robusto. Enquanto muitas redações enfrentam cortes de orçamento e pessoal, projetos de brand publishing podem investir em jornalistas experientes, pesquisas aprofundadas e processos inovadores para produzir notícias que realmente importam. E diferentemente do modelo cada vez mais hard news que o digital incutiu no Jornalismo, empresas que entenderam a falência do modelo, estão apostando numa atividade strong news, caracterizada por um conteúdo comprometido com o desenvolvimento de uma indústria.

Importante mencionar que os projetos de Brand Publishing geralmente possuem um posicionamento editorial claro, algo que falta em muitos veículos tradicionais. Este alinhamento explícito ajuda a evitar a confusão entre fato e opinião, proporcionando aos leitores uma experiência mais transparente e confiável. Ao consumir conteúdo editorial em um ativo de mídia de uma marca, fica claro para o leitor os objetivos e critérios para a seleção dos conteúdos publicados. Em anos de brand publishing, nunca tivemos uma reclamação de uma abordagem aparentemente mal intencionada em uma matéria.

Por fim, novos modelos de Jornalismo continuarão a ser necessários e desejáveis, especialmente distantes do modelo falido do século XX. Alguns veículos já entenderam isso, validando novos modelos de receita que privilegiam a boa informação e as possibilidades e granularidade que a tecnologia traz. Nesse contexto, o Brand Publishing - e não somente ele - representa uma evolução lógica, onde a qualidade e a confiabilidade do conteúdo são fundamentais para manter e expandir a audiência.

O Jornalismo está longe de estar morto. Pelo contrário, ele está se transformando. Muitos negócios estão se posicionando como os novos guardiões da credibilidade, oferecendo uma alternativa viável e necessária ao Jornalismo tradicional. Em um mundo onde a confiança é escassa e a informação é abundante, as marcas estão mostrando que podem, sim, fazer bom Jornalismo, e isso pode ser a chave para a sobrevivência e prosperidade da indústria.

Roberto Francellino

Roberto Francellino é jornalista de formação e Head de Conteúdo da Barões.