A culpa não é delas!

Por Larissa Sugiyama

09 de Fevereiro de 2022 | 16h00

Divulgação

"Temos um histórico de avanço da presença das mulheres no mercado de trabalho, e entendo que é nosso papel sempre nos posicionar e falar abertamente contra qualquer iniciativa que promova o contrário. Temos que defender as conquistas dos direitos de todos e rechaçar qualquer ação que, calcada na liberdade de expressão, comprometa esses direitos e a segurança dos demais”, afirma Claudia Rondon, Sócia-Diretora da RPMA.

Na última sexta-feira (4), o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) postou em suas redes sociais uma crítica à prioridade de contratação de mulheres pela empreiteira Acciona, responsável pelas obras da Linha 6 Laranja do Metrô de São Paulo.

Na postagem, Eduardo Bolsonaro compartilhou um vídeo contendo entrevistas de funcionárias da obra, além de declarações de uma Analista de Recursos Humanos da Acciona, dizendo que a empreiteira prioriza a contratação de mão de obra feminina.

O Deputado ainda comentou na publicação declarando que a escolha do profissional para a realização do trabalho não deve depender de critérios como cor, raça e etnia, e ainda ressaltou não compreender o motivo de a empresa preferir a contratação de mulheres. “’Procuro sempre contratar mulheres’, mas por qual motivo? Homem é pior engenheiro? Quando a meritocracia dá espaço para uma ideologia sem comprovação científica, o resultado não costuma ser o melhor. Escolha sempre o melhor profissional, independente da sua cor, sexo, etnia, etc”, escreveu ele.

A manifestação do deputado provocou manifestações de protesto e repúdio de empresas e instituições e políticos. A RPMA Comunicação, de Claudia Rondon, Márcio Cavalieri e Augusto Pinto, se manifestou publicamente a favor das mulheres como um todo, em particular, às mulheres que trabalham nas obras do metrô. A agência publicou um manifesto em suas redes sociais, em que lamenta profundamente a divulgação e reprodução de vídeos desrespeitosos a respeito do acidente ocorrido na obra do metrô de São Paulo, contra a atuação de profissionais do sexo feminino. A RPMA também afirma que o material é preconceituoso e desqualifica o trabalho e as conquistas de todas as mulheres no âmbito profissional, não devendo, de maneira alguma, ser reproduzido.

Ouvida por este JCC, Claudia Rondon, Sócia-Diretora da RPMA e Presidente do Conselho Consultivo da Abracom – Associação Brasileira das Agências de Comunicação disse que “o teor das publicações nas redes sociais nos deixou completamente indignados. Entendemos que o tema da presença feminina no ambiente corporativo deve continuar a ser ampla e claramente apoiado e incentivado. Atitudes como essa, que desqualificam a mulher e sua relevância e contribuição no trabalho e na sociedade, devem ser prontamente repudiadas e discutidas, para que se tenha clareza do cenário em que estamos inseridos. São ações pontuais, mas é de fundamental importância que se fale sobre o assunto de maneira clara e assertiva para que se entenda a necessidade de ainda discutirmos o tema publicamente”.

Ela ainda acrescenta que, em sua visão, o papel das agências no mercado de Comunicação vai além de apenas atender aos seus clientes; é preciso também promover debates de assuntos relevantes, promover ações, e não apenas se limitar a atuar como espectadores em momentos tão importantes. “Empresas devem ter conhecimento do seu papel. A própria Acciona (empresa responsável pelas obras da Linha 6) tem desenvolvido programas de equidade de gênero, e a RPMA reflete essa realidade também em seus números; 63% do nosso quadro é composto por mulheres competentes, que trabalham em todas as frentes e níveis da agência. Temos orgulho de termos o histórico de mulheres que atuam e atuaram conosco, que são profissionais de excelência”, ressalta a executiva.

Apesar da sociedade ainda presenciar a persistência de comportamentos misóginos, Claudia acredita que é dever de todos se posicionar abertamente contra qualquer atitude que coloque em risco todos os avanços femininos conquistados até o momento. “É preciso que se tenha muito cuidado para que atitudes que façam retroceder as conquistas femininas, ou mesmo que promovam o antagonismo à equidade de gêneros, sejam motivo de atenção da sociedade. Temos um histórico de avanço da presença das mulheres no mercado de trabalho, e entendo que é nosso papel sempre nos posicionar e falar abertamente contra qualquer iniciativa que promova o contrário. Temos que defender as conquistas dos direitos de todos e rechaçar qualquer ação que, calcada na liberdade de expressão, comprometa esses direitos e a segurança dos demais”, conclui.

Corrente de indignação

Outra instituição a se manifestar em protesto à publicação de Eduardo Bolsonaro, foi a Women on Board (WOB), instituição criada 2019, por um grupo de oito mulheres, entre empresárias, executivas, conselheiras e advogadas, que tem o apoio da ONU Mulheres, e que tem como objetivo reconhecer e valorizar as empresas que prezam pela inclusão de mulheres em cargos de liderança, além de fomentar o debate acerca da importância da diversidade de gênero. Patrícia Marins, Sócia-Dirtora da Oficina Consultoria, Diretora de Assuntos Institucionais/Setor Público da Abracom e uma das fundadoras do WOB usou suas redes sociais para publicar o manifesto da instituição. “Nós do WOB – Women on Board repudiamos o vídeo depreciativo, amplamente divulgado nas redes sociais, de mulheres que trabalham em obra do metrô de SP. Uma forma de manipulação de informações mentirosas e preconceituosas que culpa as mulheres pelo acidente. Temos um papel importante a cumprir de combater os estereótipos e misoginias e ampliar as situações de respeito e equidade de gênero”, escreveu.

Em nota assinada pela sua primeira presidente mulher, o IBEF-SP – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo manifestou seu repúdio às palavras do deputado do PSL. Em nome da instituição, Luciana Medeiros, considerou o conteúdo misógino e desrespeitoso. "Com 40% da diretoria executiva composta por mulheres e tendo uma mulher na presidência pela primeira vez na história, o IBEF-SP defende a diversidade e incentiva a integração entre os gêneros no ambiente de negócios. Nesse contexto, o IBEF-SP se solidariza com todas as mulheres que se sentiram ofendidas e jamais deixará de se manifestar em situações como esta", afirma. Também a ANPTrilhos - Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos, em comunicado, se posicionou contrária à publicação do “Filho 03”: “Conteúdo desrespeitoso e misógino, se aproveita de uma situação de crise para reforçar mensagem preconceituosa, discriminatória e absolutamente inaceitável. A ANPTrilhos se solidariza com as mulheres pessoalmente citadas, ressaltando o respeito e o reconhecimento de todos os operadores ao profissionalismo das mulheres na área metroferroviária", escreveu. Mesmo em tom mais tolerante, a deputada estadual Janaína Paschoal, ex-colega de partido de Eduardo, repudiou as postagens do filho do presidente: "Deputado, o Sr é pai de menina. Está sendo injusto com as moças. Vamos aguardar apurar responsabilidades. Quer criticar o Dória? É da Política e da Democracia, mas essa postagem é desnecessária. Lembra quando sua esposa foi desrespeitada e exposta no trabalho? Melhor apagar", escreveu.

Há pouco mais de uma semana (01), parte da obra da Linha 6 Laranja do Metrô de São Paulo desmoronou na região do Piqueri, sentido Rodovia Ayrton Senna, fazendo com que uma cratera fosse aberta em plena Marginal Tietê. Segundo informações preliminares divulgadas pelo Corpo de Bombeiros, o acidente foi causado por uma perfuração em um encanamento da Sabesp por uma usada nas escavações do túnel no trecho sentido sul, entre as estações Santa Marina e São Joaquim, o que fez com que o túnel inundasse. Ainda não há respostas concretas sobre o que teria provocado o acidente. As investigações continuam.