COVID-19: afinal, de quem é a culpa?

Por José Gabriel Andrade

23 de Março de 2020 | 14h30

Inicialmente, a culpa era dos chineses, depois dos italianos, dos que viajam de avião e até dos alunos universitários. O estigma aos portadores da doença COVID-19 não foi bem comunicado pelos líderes e porta-vozes desta crise. Durante uma fase de perturbação da ordem e sobretudo nos primeiros momentos, é muito difícil manter a calma e dar as indicações adequadas mesmo que haja uma infinidade de variáveis de risco. No entanto, é possível fazer uma preparação para enfrentar diferentes crises e, desta maneira, conseguir superá-las com mais possibilidades de sucesso.

No caso da pandemia COVID-19 falamos de pessoas doentes que podem ser transmissoras para outros indivíduos. No pesado manual teórico de crise encaramos o COVID 19 como uma “crise natural”, um fenômeno da natureza, ou seja, é a “vontade de Deus” a manifestar-se, não havendo culpa humana, sendo aceita como uma fatalidade. Esse é o ponto onde a comunicação está a falhar.

No inicio de 2020, a comunicação começou com medidas de prevenção, nesse momento, foi pedido isolamento. No entanto, os nossos porta-vozes não explicaram que não existe um culpado pela transmissão. Em Portugal, assistimos a reações de indignação relativamente à comunidade acadêmica, depois da confirmação de um caso de COVID-19 entre os estudantes e que conduziu ao encerramento abrupto de Universidades e à suspensão de atividades letivas. Infelizmente, foram reportados comentários desagradáveis e comportamentos discriminatórios não só relativamente aos docentes, investigadores, funcionários e estudantes como às suas famílias, sugerindo que deveriam manter-se em casa e não ameaçar a saúde pública.

Naquele momento não havia restrições particulares, devendo toda a comunidade seguir as recomendações gerais que as autoridades de saúde fazem a toda a população. Era necessário comunicar a todos os públicos que as ações sanitárias têm que ser tomadas e que não se pode discriminar ninguém. Uma crise, sob o ponto de vista da comunicação, não é um evento, é um processo que exige preparação prévia de todos que circundam um momento de atenção. Uma das figuras mais importante em todos os processos é o gestor de comunicação que deve transmitir informação para os públicos preferenciais tendo como missão antecipar e acautelar os informes apresentados pelo porta-voz da instituição ou empresa. Na crise do COVID-19 a informação mais importante é “não discriminar”.

José Gabriel Andrade

José Gabriel Andrade é Professor Auxiliar na Universidade do Minho. Em 2015 obteve o título de “Doutor Europeu em Ciências da Comunicação” pela Universidade Católica Portuguesa (investigação apoiada pela FCT) defendendo uma tese sobre comunicação, organização e política nas relações luso-brasileiras. Em 2009 recebeu o título de mestre em Ciências da Comunicação: Comunicação, Organização e Novas Tecnologias pela UCP com o apoio do Programa Alban da União Europeia. É licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade Católica de Santos, São Paulo. É membro da Rede Europeia COST e membro da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação SOPCOM – onde coordena o Grupo de Trabalho de Comunicação Organizacional e Institucional – e das redes internacionais IAMCR, ECREA e LUSOCOM. Atua na Comunicação Organizacional desde 2002 trabalhando como assessor e consultor de comunicação em empresas públicas e privadas no Brasil e em Portugal. As suas áreas de interesse académico são os estudos das ciências da comunicação, particularmente da Comunicação Organizacional e das Novas Tecnologias de Informação e da Comunicação como os Media Arts, tendo publicado neste domínio como autor e co-autor em livros e em revistas científicas.