Por Rose Campos
22 de Abril de 2024 | 08h00
Quando analisamos o “S” da agenda ESG ou ASG (Ambiental, Social e Governança) estamos tratando de capital humano, de engajamento e de relacionamento com os nossos “stakeholders”, e como os impactos desse relacionamento voam e reverberam sobre a sociedade como um todo.
O capital humano, com todas as suas engrenagens de necessidades e diversidades, é o que gira a economia global. Consciente (ou não) dessa realidade, esse homem do século XXI procura entender (mesmo que levado pelo econômico) que tudo e todos são importantes no contexto da Sustentabilidade e da agenda ESG. Nesse sentido, o conceito ESG marca sua grande importância no mercado corporativo, pois é impossível se fazer um negócio sem olhar para o seu entorno e entender que tudo faz parte de um sistema, que possui normas e regras que afetam os negócios e a “saúde” de todos os envolvidos.
Sendo assim, a pergunta que fica é: como tratamos a saúde desse sistema, apesar da agenda ESG hoje, direcionar um olhar mais sensível e responsável sobre ela? Será que numa recuperação judicial, o poder judiciário não se sobrepõe ao humano? Isso seria sustentável? Portanto, como analisamos os problemas, que afetam empresas e trabalhadores, provenientes de um recurso que tem como objetivo a preservação e “recuperação judicial” de inúmeras organizações?
Vale esclarecer, que a partir do pedido de recuperação judicial é concedido o prazo de seis meses, chamado de "stay period", para que a empresa possa fazer acordo com os credores e apresentar um plano de recuperação, que será votado em uma assembleia, convocada pelo Juiz. Os três princípios norteadores desse recurso judicial são: (1) a preservação da empresa; (2) manutenção de empregos; sendo que ela, a recuperação judicial, em nada impacta os direitos trabalhistas dos colaboradores e, portanto, não deve ser vista como uma ameaça (3) a tutela dos interesses dos credores.
O questionamento se dá em virtude de situações que vem acometendo muitas organizações empresariais, principalmente após a pandemia, onde cresceram os pedidos de falência ou de recuperação judicial, que tem justamente como objetivo primeiro, a preservação dos negócios e dos empregos, duas determinantes importantes para o desenvolvimento social e, portanto, das agendas de Sustentabilidade (ODS e ESG).
Recuperação e Manutenção
Ainda assim, alguns comportamentos têm chamado a atenção de profissionais do Direito e das agendas de Sustentabilidade em muitos processos de insolvência, que vão desde a altos honorários exigidos por algumas administradoras no cumprimento de suas funções, afastamento “sem justa causa” de funcionários, até o pedido de substituição dos sócios e proprietários das empresas por um “gestor judicial”, ações essas que, em boa parte, não garantem a sobrevivência e, ainda pior, a recuperação da empresa e manutenção de seus trabalhadores.
Segundo profissionais do Direito, sindicalistas, além de inúmeras denúncias veiculadas na mídia, o que está ocorrendo é uma espécie de “empresa da insolvência”, em que a administradora e o gestor judicial, a partir das contratações que celebram, vêm levando muitas empresas a fecharem suas portas, em vez da recuperação de fato.
Para Guilherme Veiga, advogado especialista em Direito Constitucional Internacional, quando um administrador judicial entra numa empresa ele tem que trabalhar com cooperação absoluta e transparência sobre seus atos, “porque a empresa não é dele, é uma empresa de terceiro que ele está ajudando na administração por uma ordem judicial. Portanto, ele deve cooperar com todos: cooperar com o juiz, cooperar com o dono da empresa, cooperar com os credores, cooperar com os trabalhadores, para que haja sucesso em sua recuperação”. Isso porque, segundo ele, a única coisa que realmente se busca no caso de uma recuperação judicial “é, exatamente, a recuperação e não a falência da empresa”, ressalta.
É necessário, portanto, segundo o especialista, mitigar as chances de decisões equivocadas, pois é pela “governança” correta que o cumprimento das verdadeiras intenções e ações de desenvolvimento dos negócios administrados serão benéficas para todos os envolvidos, “afinal, são famílias que dependem diretamente de ações assertivas dos condutores do processo, para continuarem suas vidas”, finaliza Veiga.
Investigando nessa direção, um caso que estaria ocorrendo junto ao Sindicato dos Empregados do Comercio de Osasco e Região, envolvendo uma empresa da localidade e sua atual gestão, após o afastamento judicial dos dirigentes da recuperanda, chama a atenção. Procurado, quem se apresentou para falar pelo presidente do sindicato, devido sua ausência por motivo de viagem, foi Waldemir Jesus dos Santos, Diretor do Conselho Fiscal do Sindicato, o qual relata os casos de demissões de funcionários e problemas emocionais que sofrem os trabalhadores dentro de muitas empresas em recuperação judicial.
Quando questionado sobre o relacionamento do sindicato com essas empresas, Jesus cita o caso de uma delas e o que vem ocorrendo após o afastamento de seus dirigentes, “já recebi denúncias de trabalhadores sobre assédio e até demissão injustificada. Funcionários vivem assustados, com medo de serem mandados embora por justa causa e até perseguições nos foram relatadas por funcionários que se dizem descontentes com a atual administração”.
O que chama a atenção é a demissão, segundo seu relato, de um trabalhador, porém sem antes ter sido submetido, tal procedimento, ao crivo do juiz de direito. Mediante a isso o sindicato, que diz já haver procurado a empresa, mas sem sucesso, registrou pedido, no início do mês de março (08) “de convocação de um representante legal da empresa, preposto ou procurador totalmente constituído com poderes por instrumentos próprios para negociar, discutir ou firmar compromissos, na data de 13/03, na sede do sindicato”.
Segundo Jesus, um representante foi enviado e confirmada a suspeita que o juiz não havia sido informado sobre a demissão, “o que caracteriza abuso de poder, desorganização e até falta de conhecimento de lei. A nossa preocupação é com a vida desses trabalhadores, que, na real, ficam assustados com a possibilidade de um agravamento, ainda maior, da situação e não com a reversão do processo”, acrescenta.
Desse modo, é importante pontuar que o princípio da manutenção da empresa e a proteção ao trabalhador andam juntos nesse intuito, de modo que que a Lei 11.101/05 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas” – LFRE) em observância ao princípio da proteção ao trabalhador que constitui a raiz sociológica do Direito do Trabalho, estabeleceu uma ordem de prioridades em sua finalidade, colocando como primeiro objetivo a “manutenção da fonte produtora”, visando cumprir com a função social de manter o emprego dos trabalhadores e então, honrar e satisfazer o interesse dos credores e superar a crise econômico-financeira.
Sendo assim, o olhar para as agendas de Sustentabilidade nessa matéria – “ESG e(m) Recuperação Judicial” - passa, exatamente pela discussão sobre a recuperação, preservação e desenvolvimento do meio de sustento do trabalhador, além de apontar para os desvios de procedimentos no cumprimento dessa intenção e resolução, uma vez que “a recuperação também impede que trabalhadores da companhia percam o emprego, fornecedores o cliente e o Estado uma fonte de arrecadação de impostos.” (Matéria: Caso Gol: as diferenças entre recuperação judicial no Brasil e o pedido de Chapter 11 nos EUA - borainvestir.b3.com.br).
Condutas e questionamentos
O critério sobre a transparência dos atos e a comprovação oficial de contas dos gestores frente ao gerenciamento de empresas de terceiro são imprescindíveis para a continuidade fiel da recuperação e não da falência das empresas e de muitos de seus funcionários e colaboradores.
A credibilidade dos administradores e gestores judiciais na condução das empresas deve, portanto, ser total, pois a suspeita de irregularidades pode também levar a empresa recuperanda a acionar as autoridades competentes. Um desses casos, mencionado em matéria no jornal Valor Econômico no ano passado (2023), foi da Agropecuária Tuiuti, dona da marca de leite Shefa, que solicitou a substituição do administrador, a empresa Brasil Trustee, de Campinas (SP), de sua ação de recuperação judicial (RJ), devido a constatação, segundo eles, de irregularidades na conduta de recuperação por parte da empresa administradora.
Outro caso, envolvendo conduta irregular por parte do gestor judicial e que ilustra, infelizmente, ações de prejuízos, daqueles que foram contratados justamente para “estudar a recuperação da empresa” tramitou na 4ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiânia envolvendo a empresa Transbrasiliana Transporte e Turismo Ltda (RJ nº 115033.97.2016) na qual a conduta do gestor judicial é questionada e sentenciada: “Assim, não há qualquer razão plausível para se admitir que valores sejam retirados pelo Sr. Frank Migiama como noticiado, sejam para conta própria, seja para despesas de transporte, posto que não autorizado. Visando a trazer tais valores novamente aos cofres da empresa, autorizo a recuperanda a descontar no próximo pagamento do Administrador Judicial, os valores mencionados”.
Em conversa com inúmeros advogados para entender esses procedimentos e condutas nada sustentáveis, ouvimos questionamentos dos próprios peritos, dos quais deixo aqui registrado para que especialistas possam responder:
Quem tem mais habilidade para gerir um negócio? Quem fundou a empresa ou quem está chegando agora?
Quem entende mais do negócio? A pessoa que começou do zero, pois ele teve problemas, se individuo, mas resolveu e se recuperou ou quem está entrando agora?
São ciclos de uma empresa que agregam aprendizados, como cada indivíduo, que carrega em seu DNA a sua história e se precisar ser ajudado, ele tem que querer a ajuda para estar totalmente envolvido em seu processo de recuperação. Diante desse contexto, e das agendas de Sustentabilidade e ESG, será um procedimento correto afastar da direção de suas próprias empresas os seus principais administradores? Será que esses empresários não deveriam estar sendo assistidos para, conjuntamente com os gestores judiciais, procurarem, em consenso, os melhores caminhos e decisões, ainda que o resultado final não seja o almejado e, tenham que encerrar suas atividades?
O conjunto dessas três letras ESG é muito mais complexo do que pensamos, pois exige de todos condutas que, muitas vezes, não são respeitadas por aqueles que cumprem o dever de fazer com que a vida de muitos sejam mais sustentáveis.
Rose Campos
Jornalista, Mestre de Cerimônia, Ass. de Comunicação e Sustentabilidade e Apresentadora do Programa Ecos do Meio na Rádio/TV Mega Brasil.