A Comunicação Corporativa flerta com o inferno - Parte 2

Por Estevam Pereira

15 de Agosto de 2023 | 11h00

Divulgação

Estevam Pereira, sócio-fundador do Grupo report

Tempo de Copa do Mundo feminina ou masculina é tempo de a comunicação pegar carona no evento mais popular do planeta. E é tempo de greenwashing também, ou melhor, de “sportswashing”, como bem exemplifica a Fifa, organização responsável pelos mundiais de futebol.

A Copa do Catar, encerrada há sete meses, sempre esteve sob escrutínio da sociedade. Não só por causa das denúncias de corrupção envolvendo a escolha do país árabe como sede, mas também por conta dos trabalhadores mortos durante a construção dos estádios. Segundo a contagem oficial dos organizadores, 40 morreram, o que já é um número inaceitável. De acordo com levantamento feito pelo jornal inglês The Guardian, o número passa dos 6.500 trabalhadores.

Se já acumulavam problemas em governança e na dimensão social, coube ao presidente da Fifa, Gianni Infantino, adicionar mais um, o ambiental, com o lançamento do “Green Card for the Planet” (“Cartão Verde para o Planeta”).

A iniciativa da organização prometia, entre outras coisas, que a Copa do Catar seria neutra em carbono. Ou seja, todas as emissões de gases de efeito estufa do evento seriam compensadas com diferentes medidas, resultando em soma zero das emissões ao final do evento.

Os questionamentos sobre a veracidade dessas promessas climáticas se avolumaram e, no mês passado, o órgão regulador de publicidade da Suíça, país onde está a sede da entidade, determinou que a Fifa enganou os consumidores ao praticar o greenwashing, isto é, ao afirmar que a Copa do Catar foi o primeiro evento “totalmente neutro em carbono”.

 

CLASSIFICAÇÃO

Há quase duas décadas os ativistas da sustentabilidade monitoram os casos de green e outros washings. E ensinam que o problema pode ser, digamos, classificado em quatro grandes grupos: discursos, ações, estética e portfólio. Detalhes a seguir.

 

DISCURSOS

Manipular a narrativa - manipular o discurso de sustentabilidade com exageros, afirmações irrelevantes, genéricas ou irreais.

Omitir impactos - omitir impactos negativos do negócio, destacando apenas aspectos positivos. Exemplo: quando a Coca-Cola celebra a adoção de garrafas feitas com pet de origem vegetal, mas não resolve o problema de todo o restante da produção que ainda usa o pet de origem fóssil.

Mentir - mentir, usar dados falsos, fazer afirmações que distorcem a realidade e que não podem ser provadas. Exemplo: a marca de sucos Do Bem, que afirmava que comprava a matéria prima do sr. Francisco do interior de São Paulo. Na verdade, o sr. Francisco não existia e a Do Bem comprava o suco de empresas como a Brasil Citrus, que vendia o mesmo produto para as marcas próprias de supermercados.

Confundir - usar jargão técnico incompreensível ou irrelevante.

 

ESTÉTICA

Seduzir com imagens - usar imagens, sons ou vídeos sedutores. Exemplo: uma antiga e premiada campanha da Honda, de 2004, que anunciava um motor a diesel mais eficiente com imagens de plantinhas, coelhinhos e outras fofuras.

Esconder operações - omitir imagens das operações do negócio. Exemplo: o clássico anúncio de revista da Shell que mostrava flores saindo das chaminés.

Usar pessoas, causas ou organizações - destacar parceiros que compartilhem compromissos sustentáveis. Exemplo: a campanha da KFC que destinava parte do valor de um balde cheio de comida frita para uma organização de combate ao câncer. Como se sabe, alimentos gordurosos aumentam o risco de câncer.

Maquiar a identidade - usar identidade visual baseada em atributos “verdes”.

 

AÇÕES

Desviar a atenção - focar a comunicação e o marketing em projetos de sustentabilidade paralelos, não ligados ao core do negócio. Exemplo: quando a Petrobras anunciava seu apoio a projetos sociais e ambientais, mas não abordava em seu negócio o tema das mudanças climáticas. Hoje, a empresa já trata do assunto, mas, diante do desafio, ainda de maneira insuficiente.

Iludir com o obrigatório - tratar obrigações legais como medidas sustentáveis ou investimento socioambiental privado.

Alegar barreiras financeiras - alegar custo excessivo para adotar medidas sustentáveis.

Jogar a responsabilidade para os outros - incentivar clientes a participarem da solução do problema da empresa, sem que a empresa tenha que fazer a sua parte. Exemplo: a petrolífera BP conclamando, em anúncio, o consumidor: “Reduza sua pegada de carbono”.

 

PORTFÓLIO

Falsear produtos “sustentáveis” que fazem mal às pessoas e/ou ao meio ambiente.

Convocar celebridades - anunciar produtos “sustentáveis” com celebridades.

Criar Ecolojas - criar ecolojas físicas ou virtuais, sem considerar os impactos totais de uma operação desse tipo. Exemplo: a Zara, que abriu sua maior loja em Madrid com atributos de sustentabilidade. No entanto, o mundo do fast fashion em geral, e a Zara em particular, são constantemente alvo de denúncias sobre o seu modelo de negócios ambientalmente impactante e as péssimas condições de trabalho dos fornecedores.

 

No próximo e final artigo desta minissérie, vamos falar sobre as estratégias para evitar o green e outros washings.

 

*Leia o primeiro artigo da minissérie que explica o greenwashing aqui

Estevam Pereira

Estevam Pereira é jornalista graduado pela Escola de Comunicações e Artes da USP e sócio-fundador do Grupo report. Possui MBA em Gestão para a Sustentabilidade pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Trabalhou nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo e na revista Veja. Integrou a equipe de tradução das diretrizes da Global Reporting Initiative para o português e participou da consulta para revisão da norma de verificação AA1000.